
Mateus Antonio Albuquerque Costa1 & Anna Beatriz Fontes de Holanda1
1Acadêmicos em Fisioterapia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, monitores de Anatomia Humana da área V.
Trata-se de a maior membrana serosa do corpo, formada por duas lâminas de epitélio pavimentoso simples situada sobre uma camada de tecido conjuntivo frouxo. O peritônio possui um aspecto transparente, escorregadio e brilhante, localizando-se na cavidade abdominopélvica, revestindo-a, assim como envolvendo e suspendendo as vísceras. A lâmina de mesotélio que recobre a parede abdominal posterior é chamada de peritônio parietal, enquanto a outra que reveste as vísceras abdominais é denominada peritônio visceral. Entre as lâminas de peritônio localiza-se uma cavidade peritoneal.

Peritônio parietal
O peritônio parietal está diretamente ligado à parede abdominal, revestindo-a anterior e posteriormente. Ele geralmente é fixado pelo tecido conjuntivo extraperitonial, frouxamente, de maneira que permite alterações no tamanho de estruturas como a bexiga e o reto. Visto que este reveste a parede abdominal, a vascularização sanguínea, linfática e a inervação somática do peritônio é a mesma da região. A dor no peritônio parietal, em geral, é bem localizada, exceto na face inferior da parte central do diafragma, por ser inervada pelos nervos frênicos, a dor não é bem localizada nesta região.

Peritônio visceral
O peritônio visceral relembra invaginações do peritônio parietal a partir da parede abdominal, que atua para envolver completa ou parcialmente grande parte das vísceras do abdome. Os órgãos cobertos por ele têm a mesma vascularização e inervação. Além disso, o peritônio visceral é insensível ao toque, calor, frio e laceração, de forma que para ser estimulado, é necessário distensão e irritação química. Consequentemente, a dor que ocorre na região é mal localizada e dependente dos dermátomos dos gânglios vertebrais, responsáveis por emitir as fibras sensitivas. As dores relacionadas ao intestino anterior são sentidas na região epigástrica, do intestino médio na região umbilical enquanto as do intestino posterior na região púbica.


Órgãos intraperitoneais
São órgãos que são completamente ou quase revestidos por peritônio visceral, tais como o estômago, o fígado e o baço. O termo “intraperitoneal” não significa estar dentro da cavidade peritoneal, mas sim que os órgãos referidos estão cobertos quase que completamente por peritônio visceral e, isso ocorre devido à invaginações de tais órgãos para dentro do saco fechado durante o período de desenvolvimento.


Órgãos retroperitoneais
Diferentemente dos órgãos intraperitoneais, os retroperitoneais são parcialmente revestidos, usualmente em apenas uma face, e estão localizados entre o peritônio parietal e a parede posterior do abdome. Alguns órgãos retroperitoneais já se desenvolvem fora do peritônio, a exemplo dos rins, enquanto outros iniciam seu desenvolvimento dentro e, ao longo do desenvolvimento, movem-se posteriormente ao peritônio, como é o caso do pâncreas, duodeno distal e dos colos ascendente e descendente.


Cavidade peritoneal
Localizada na cavidade abdominal e continuando até a cavidade pélvica, a cavidade peritoneal pode ser entendida como um espaço potencial entre as lâminas parietal e visceral do peritônio. Nesta cavidade há uma pequena quantidade de líquido seroso responsável por lubrificar as faces peritoneais e, consequentemente, permitir alguma mobilidade entre as vísceras, o que evitaria atrito durante os processos da digestão. No entanto, além do líquido peritoneal (composto por água, proteína, eletrólitos e solutos derivados do líquido intersticial nos tecidos adjacentes), a cavidade é certamente vazia. Além de lubrificar, o líquido peritoneal contém células do sistema imune, como leucócitos e anticorpos, sendo capaz de reagir e resistir à infecções. Em situação de normalidade, a cavidade não contém gases e, durante um evento inflamatório, a quantidade de líquido pode aumentar para ajudar na defesa do organismo.

Embriologia da cavidade peritoneal
O mesoderma que reveste a cavidade celomática (cavidade embrionária do corpo) é o precursor do peritônio no corpo em desenvolvimento. Posteriormente, o mesoderma origina o peritônio parietal, um saco fechado revestindo a cavidade abdominal primordial. À medida que os órgãos abdominais crescem e se desenvolvem, a busca por espaço obriga a invaginação destes no saco peritoneal, originando o peritônio visceral, tal como ocorre se pressionarmos com a mão fechada uma bexiga cheia de ar – notar-se-á a deformação da bexiga envolvendo a mão, ilustrando a forma com que os órgãos interagem com o peritônio.
Como já foi descrito anteriormente, algumas vísceras são completamente envolvidas pelo peritônio visceral, como é o caso do estômago e do intestino delgado, em virtude das alterações de formato constantes. Outras vísceras apresentam um tamanho mais estável; isto é, pouco invaginam o saco peritoneal, como os rins, e são chamados de órgãos retroperitoneais.
Formações peritoneais
O peritônio apresenta características próprias como a sua forma convoluta em que se dispõe bastante enrolado em torno de si ou das vísceras. Isto leva a projeção de estruturas relacionadas que ainda devem servir como passagem de estruturas neurovasculares (vasos, nervos, ductos) da parede do corpo aos órgãos, além de permitir suporte e fixação. A seguir serão apresentadas algumas formações peritoniais de grande relevância.
Mesentérios
Consiste em duas lâminas de peritônio fixando órgãos intraperitoneais à parede abdominal posterior, geralmente, com tecido conjuntivo frouxo associado. Representa um meio de comunicação neurovascular entre as vísceras e a parede do corpo. Sua nomenclatura varia de acordo com a parte do sistema digestório em que se relaciona, como por exemplo: mesoesôfago, mesocolo transverso, mesocolo sigmóide, mesoapêndice. Exceção ao intestino delgado onde denomina-se apenas “mesentério”.
Omentos
São pregas em duas camadas de peritônios com tecido conjuntivo interposto. Partem do estômago e da parte proximal do duodeno até os órgãos adjacentes. O omento menor parte da curvatura menor do estômago e da parte proximal do duodeno, dirigindo-se até o fígado. Suas camadas se dividem e envolvem o estômago, cobrindo as superfícies anterior e posterior do órgão.
Já o omento maior representa a maior prega peritoneal existente, consistindo numa membrana dupla, onde cada membrana é formada por duas camadas de peritônio (totalizando quatro camadas de peritônio) firmemente aderidas uma a outra, separadas por uma quantidade escassa de tecido conjuntivo. Fixa-se a curvatura maior do estômago, segue trajeto descendente pela cavidade abdominal, dobra-se e ascende superiormente até o colo transverso e seu mesentério, ganhando a forma de um avental.

Ligamentos peritoneais
Também são formados por uma dupla camada de peritônio e tecido conjuntivo associado, unindo um órgão ao outro ou à parede abdominal. Destaca-se no fígado o ligamento falciforme, onde suas camadas envolvem o órgão e estabelece a ligação com a parede do abdome. Geralmente, os ligamentos se apresentam como partes contínuas dos omentos, como os ligamentos hepatogástrico e hepatoduodenal.

Pregas peritoneais
Consiste numa reflexão de peritônio que se encontra elevada da parede abdominal por vasos sanguíneos, ductos ou ligamentos formados a partir de vasos fetais obliterados subjacentes. Um exemplo são as pregas gastropancreáticas esquerda e direita, que se sobrepõem às artérias gástrica esquerda e hepática, respectivamente.
Recessos peritoneais
São possíveis fossas ou recessos formadas na cavidade peritoneal por uma prega peritoneal. Apresentam importância clínica, pois partes do intestino podem penetrá-las e sofrer compressão, causando, posteriormente, uma herniação interna. Estão presentes em sua maioria nas partes do intestino grosso.

Subdivisões da cavidade peritoneal
Após rotação e surgimento da curvatura maior do estômago, a cavidade peritoneal se divide, passando a ter a parte principal e maior denominada saco maior – a cavidade peritoneal propriamente dita – que circunda a maioria das vísceras abdominais. A outra parte, o saco menor – bolsa omental – está localizada posterior ao estômago e omento menor, sendo capaz de permitir o movimento do estômago, visto que suas paredes anterior e posterior deslizam-se livremente sobre si. Ela tem duas limitações, o recesso superior, dado pelo diafragma e duas camadas posteriores dos ligamentos coronários do fígado; e o recesso inferior, entre as partes superiores do omento maior. O forame omental, ou epiplóico, é responsável pela comunicação entre os dois sacos e se situa posteriormente à margem livre do omento menor.
Com intuito clínico, a cavidade peritoneal pode ser dividida em duas porções, sendo elas o compartimento supra e inframesocólico, separadas parcialmente pelo colo transverso e seu mesocolo. Essa divisão influencia em diagnósticos e tratamentos de processos patológicos, que estão frequentemente contidos no interior desses espaços.
Mesocolo transverso
Também denominado mesentério do cólon transverso, divide a cavidade peritoneal propriamente dita em compartimento supracólico, onde estão o estômago, fígado e baço, e compartimento infracólico, que contém intestino delgado e os colos ascendente e descendente do intestino grosso. Este está situado posterior ao omento maior e apresenta também uma divisão a partir do mesentério do intestino, formando assim os espaços infracólicos direito e esquerdo. A comunicação entre os compartimentos é possível a partir dos sulcos paracólicos.
Peritônio da pelve
O peritônio parietal da cavidade abdominal descende até a cavidade pélvica, porém não chega a revestir o assoalho pélvico, localizando-se por sobre as vísceras pélvicas. Em ambos os sexos, o peritônio dispõem-se sobre a superfície anterior do reto, tornando-o um órgão retroperitoneal.
Nas mulheres está presente o ligamento largo do útero, um ligamento peritoneal que se estende das laterais do útero até as paredes pélvicas laterais. Reveste totalmente as tubas uterinas, serve como ponto de fixação dos ovários e recobre a superfície anterior e posterior do útero. Por conta de sua disposição, é sabido que o peritônio pode formar fossas (ou bolsas), a bolsa formada pelo peritônio entre o reto e o útero é denominada escavação retouterina. Podemos encontrar outra escavação nos homens e nas mulheres submetidas à histerectomia, procedimento cirúrgico para retirada do útero, denominada escavação retovesical.
Nos homens os seus órgãos reprodutivos não se encontram em contato com o peritônio, com exceção das glândulas seminais, ampolas dos ductos deferentes e a túnica vaginal.


Relações clínicas
Em grandes incisões cirúrgicas como a laparotomia, ou em qualquer outra perfuração, pode ocorrer a entrada de bactérias, gás ou material fecal para o interior da cavidade peritoneal, resultando assim numa infecção e inflamação do peritônio – peritonite. Os sinais clínicos comuns são a dor na região abdominal sobrejacente, aumento do tônus muscular do músculos anterolaterais do abdome, além do que, peritonites generalizadas podem ser fatais. O tratamento pode ser realizado por meio da retirada do líquido em excesso, paracentese abdominal, e administração de antibióticos potentes.
Outra patologia frequentemente associada ao peritônio é a ascite, proveniente de perfurações da parede do estômago ou duodeno, extravasando seu líquido ácido para dentro da cavidade peritoneal, o que causaria um acúmulo de líquido ascítico no interior da cavidade peritoneal, além de dor abdominal intensa ao se movimentar e respiração acelerada. O acúmulo de líquidos na cavidade peritoneal é bastante comum e geralmente resulta em aderências entre as lâminas do peritônio, sejam elas as vísceras ou a parede abdominal, causando dor crônica e até obstruções intestinais que necessitam de atendimento de emergência.
Por causa de sua capacidade absortiva, propiciada por numerosos vasos sanguíneos e linfáticos, o peritônio pode funcionar como uma membrana dialisante em casos extremos de insuficiência renal, drenando possíveis metabólitos que se encontram em excesso no sangue. Este procedimento é denominado diálise peritoneal.
Referências
MOORE, Keith L. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
STANDRING, S; Gray’s: Anatomia – A base anatômica para a clínica. 40. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
DO CARMO, L. M. D.; Peritônio e Cavidade Peritoneal. Disponível em <https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/peritonio>. Acesso em: 28 de abril de 2020.