35. Vias aferentes

Letícia Pereira Feitoza¹ e Sarah Beatriz Gurgel de Carvalho¹

¹Acadêmico em Fisioterapia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e monitor no Programa de Monitoria da área V.

INTRODUÇÃO

As vias aferentes ou ascendentes são aquelas que levam aos centros nervosos supra-segmentares os impulsos nervosos originados nos receptores periféricos, elas permitem que você sinta sensações do ambiente externo como dor, temperatura e toque, além de transmitirem informações proprioceptivas, ou seja, do interior do corpo como nos músculos e nas articulações.

Em todas as vias aferentes são encontrados diversos elementos, sendo eles: o receptor, o trajeto periférico, o trajeto central e a área de projeção cortical.

  • Receptor: consiste em uma terminação nervosa livre a qual possui especificidade, ou seja, para cada uma das modalidades de sensibilidade existe um receptor específico.
  • Trajeto periférico: compreende um nervo espinal ou craniano ligando-se a um gânglio sensitivo.
  • Trajeto central: compreende o agrupamento das fibras que constituem as fibras aferentes em feixes, fascículos ou lemniscos, de acordo com suas funções no seu trajeto pelo sistema nervoso central.
  • Área de projeção cortical: presente no córtex cerebral (via consciente) ou no córtex cerebelar (via inconsciente, isto é, o impulso não determina nenhuma manifestação sensorial).

As grandes vias aferentes podem ser consideradas cadeias neuronais que unem os receptores ao córtex. As vias conscientes possuem essas cadeias constituídas por três neurônios, os quais possuem os seguintes princípios gerais:

  • Neurônios I ou de primeira ordem: geralmente localizam-se fora do sistema nervoso central em um gânglio sensitivo. É um neurônio sensitivo, geralmente de natureza pseudounipolar, o qual o prolongamento periférico liga-se a um receptor, e o prolongamento central penetra no sistema nervoso central através da raiz dorsal do nervo espinal, se comunicando com os neurônios de segunda ordem.
  • Neurônios II ou de segunda ordem: localizam-se no corno posterior da medula espinal. Originam axônios que geralmente cruzam o plano mediano e formam um trato ou lemnisco, fazendo sinapse com os neurônios de terceira ordem.
  • Neurônios III ou de terceira ordem: estão presentes no tálamo e emitem axônios que chegam ao córtex por radiações talâmicas.

A seguir abordaremos as grandes vias aferentes do tronco e membros, as quais penetram no sistema nervoso central pelos nervos espinais.

Vias Aferentes que Penetram o SNC por Nervos Espinais:

Fig 1. Localização na medula espinhal por onde as vias aferentes ascendem em direção ao encéfalo. Fonte: SOBOTTA (2000).

Vias espinotalâmicas ou vias anterolaterais para o córtex cerebral

  • Vias de dor e temperatura

As terminações nervosas livres são os receptores de dor. Há duas vias que levam impulsos de dor e temperatura pro cérebro: a neoespinotalâmica e a paleoespinotalâmica.

  • Via Neoespinotalâmica: responsável pela dor aguda e bem localizada na superfície corporal (dor em pontada). Constituída pelo trato espinotalâmico lateral, envolvendo três neurônios.
  • Neurônio I: localizados nos gânglios espinais das raízes dorsais, com prolongamento periférico ligado aos receptores pelos nervos espinais, enquanto o prolongamento central entra na medula e termina na coluna posterior, onde faz sinapse com neurônio II.
  • Neurônio II: seus axônios cruzam o plano mediano pela comissura branca, ganham o funículo lateral do lado oposto, formando o trato espinotalâmico lateral. Ao nível de ponte, as fibras desse trato se unem com o trato espinotalâmico anterior, constituindo o lemnisco espinhal, o qual termina no tálamo, onde faz sinapse com neurônio III.
  • Neurônio III: localizado no tálamo (núcleo ventral posterolateral). Seus axônios passam pela cápsula interna e coroa radiada e chegam à área somestésica do córtex, no giro pós-central (áreas 3, 2 e 1 de Brodmann).

 Dessa forma, os impulsos originados dos receptores térmicos e dolorosos, situados no tronco e membros do lado oposto, chegam ao córtex. Possui uma organização somatotópica, sendo responsável pela dor localizada (dor em pontada).

  • Via Paleoespinotalâmica: possui uma cadeia de neurônios maior que a via neoespinotalâmica.Essa via é responsável pela dor pouco localizada, dor profunda do tipo crônica (dor em queimação)
  • Neurônio I: localizado nos gânglios espinhais, com axônios que penetram na medula.
  • Neurônio II: situada na coluna posterior. Seus axônios dirigem-se ao funículo lateral do mesmo lado e do lado oposto e dobram-se cranialmente, formando o trato espino-reticular, o qual sobe na medula junto ao trato espinotalâmico lateral e faz sinapse com o neurônio III, em vários níveis da formação reticular. Muitas dessas fibras não são cruzadas.
  • Neurônio III: Localizado na formação reticular, dando origem às fibras reticulotalâmicas, as quais terminam nos núcleos do grupo medial do tálamo, principalmente no núcleos intralaminares (neurônios IV). Os núcleos intralaminares projetam-se para regiões mais amplas do córtex cerebral e na amígdala.

Desse modo, os estímulos para dor difusa e crônica (dor em queimação), fazem suas projeções de forma consciente.

CaracterísticasVia neoespinotalâmicaVia paleoespinotalâmica
Cruzamento na medulaFibras cruzadasFibras cruzadas e não cruzadas
Trato na medulaEspinotalâmico lateralEspinorreticular
Trajeto supramedularDireto: espinotalâmicoInterrompido: espinoreticulotalâmico
Número de neurôniosTrêsNo mínimo quatro
Projeção talâmica principalNúcleo ventral posterolateralNúcleos intralaminares
Projeções supratalâmicasÁrea somestésicaPartes anteriores da ínsula e do giro do cíngulo
Organização funcionalSomatotópicaNão somatotópica
FunçãoDor aguda e bem localizadaDor crônica e difusa
Tabela 1. Diferenças entre as vias neoespinotalâmicas e paleoespintalâmicas. Fonte: MACHADO (2014).
  • Via de pressão e tato protopático

Os receptores dessa via são os corpúsculos de Meissner e corpúsculos de Ruffini, além das ramificações dos axônios em torno dos folículos pilosos.

  1. Neurônio I: Localizado nos gânglios espinais, em que os prolongamentos periféricos ligam-se aos receptores e o prolongamento central se divide em ramo ascendente (longo) e descendente (curto). Ambos terminam na coluna posterior em sinapse com neurônio II.
  2. Neurônio II: Localizado na coluna posterior da medula. Na comissura branca, seus axônios cruzam o plano mediano, passam pelo funículo anterior do lado oposto, onde se inflectam cranialmente, formando o trato espinotalâmico anterior. A nível de ponte, ocorre a união entre o trato espinotalâmico anterior e trato espinotalâmico lateral para formação do lemnisco espinhal, que suas fibras fazem sinapse com neurônio III no tálamo.
  3. Neurônio III: Localizado no núcleo ventral posterolateral do tálamo. Emitem axônios que formam radiações talâmicas, os quais passam pela cápsula interna e coroa radiada, até atingir a área somestésica do córtex cerebral.

Dessa forma, os impulsos provenientes dos receptores de tato e pressão situados no tronco e nos membros, chegam ao córtex. Esses impulsos são conscientes, tendo em vista que passam pelo tálamo.

Vias do funículo posterior para o córtex cerebral

  • Via de propriocepção consciente, tato epicrítico e sensibilidade vibratória- coluna branca posterior: fascículo grácil e cuneiforme

Os receptores dessa via incluem os corpúsculos de Ruffini e de Meissner (receptores de tato), os fusos neuromusculares (proprioceptores) e os corpúsculos de Paccini (sensibilidade vibratória).

  1. Neurônio I: localizam-se nos gânglios espinais, o seu prolongamento periférico liga-se ao receptor, e o seu prolongamento central penetra na medula pela divisão medial da raiz posterior. Os ramos ascendentes longos terminam no bulbo, fazendo sinapse com os neurônios II.
  2. Neurônio II: localizam-se no núcleo grácil e cuneiforme do bulbo. Os axônios desses neurônios cruzam o plano mediano e seguem cranialmente para formar o lemnisco medial¹, que irá terminar no tálamo, fazendo sinapse com o neurônio III.
  3. Neurônio III: situados no núcleo ventral posterolateral do tálamo, originando axônios que constituem radiações talâmicas que chegam a área somestésica passando pela cápsula interna e coroa radiada.

Lemnisco medial¹: Feixe ascendente bem definido originado da decussação das fibras provenientes do núcleo grácil e cuneiforme.

A decussação do lemnisco medial fornece parte da base anatômica para a representação sensorial da metade do corpo no córtex cerebral contralateral, ou seja, conduz impulsos da propriocepção consciente ou sentido de posição e de movimento, permitindo que se percebam partes do corpo em movimento sem auxílio da visão.

Fig. 2 Condução da sensibilidade epicrítica (azul) e protopática (verde) Fonte: SOBOTTA (2000).

Vias de sensibilidade para o cerebelo

  • Via de Propriocepção Inconsciente: os receptores dessa via são os fusos neuromusculares e órgãos tendinosos situados nos tendões e  músculos.
  • Neurônio I: Localizados nos gânglios espinhais. Seu prolongamento periférico liga-se aos receptores , enquanto seu prolongamento central adentra a medula e divide-se em ramo ascendente (longo) e descendente (curto), os quais fazem sinapse com neurônio II na coluna posterior.
  • Neurônio II: podem estar em duas posições, dando origem a diferentes vias para o cerebelo.
  • Situado no núcleo torácico, na coluna posterior, emite axônios para o funículo lateral do mesmo lado, onde curvam-se cranialmente para formar o trato espinocerebelar posterior, terminando no cerebelo, onde adentra pelo pedúnculo cerebelar inferior.
  • Situado na base da coluna posterior e substância cinzenta intermédia. Emite axônios, os quais, em sua maioria, cruzam para o funículo lateral do lado oposto, onde curvam-se cranialmente para formar o trato espinocerebelar anterior. As fibras cruzam novamente na medula, antes de entrar no cerebelo, pois é uma via homolateral. O trato penetra no cerebelo pelo pedúnculo cerebelar superior.

Dessa forma, os estímulos proprioceptivos provenientes da musculatura estriada esquelética chegam ao cerebelo, de forma inconsciente, por meio dessa via.

Fig 3. Condução da sensibilidade profunda inconsciente. Fonte: SOBOTTA (2000).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MACHADO, A.B.M. Neuroanatomia Funcional. 3 ed. São Paulo: Atheneu, 2014.

MENESES, Murilo S.. Neuroanatomia aplicada. 3. ed ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.

SOBOTTA, Johannes. Atlas de Anatomia Humana. 21 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/vias-do-sistema-nervoso