24- Doença de Parkinson

Kelly Evangelista Rodrigues da Silva¹

¹ Acadêmico em Fisioterapia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e monitor do Programa de Monitoria da área V.

História e aspectos gerais da doença de Parkinson

Em 1817, James Parkinson publicou o artigo intitulado An Essay on The Shaking Palsy, visando explanar acerca de seis casos de pacientes com sintomas semelhantes e que manifestaram sintomas progressivos, dentre os quais o principal foi o movimento trêmulo involuntário. De tais relatos foi observada a doença atualmente conhecida como doença de Parkinson (DP).

Considerada uma doença degenerativa do sistema nervoso, a doença foi descrita mediante a ótica da progressão dos sinais e sintomas. Diz-se que, de início, o cenário da doença era quase imperceptível, de modo a existir certa dificuldade do indivíduo de relatar o início dos sintomas, mas progredindo para um leve tremor nos membros; seguindo para instabilidades posturais e, nos meses subsequentes, a tremores marcantes. À medida que a doença perdura, verifica-se a marcação afetada de múltiplos sistemas de funcionamento; o “caminhar” torna-se um desafio; o sono faz-se turbulento; a fala dificultosa e, assim, tem-se um indivíduo dependente de auxílios para tarefas básicas a complexas.

Além dos processos relacionados à movimentação e força muscular reduzida, Parkinson refere-se ainda aos “sentidos” (Parkinson, 1817). Admitindo-se que os “sentidos e intelecto permanecem ilesos”, isso certamente gera diversas interpretações acerca do significado de “sentidos” àquela época. Em uma leitura histórica, o termo deveria significar “modalidades sensoriais” (ou seja, visão, audição ou tato) ao invés de “razão”. Em relação à palavra “intelecto”, é provável que Parkinson (1817) tenha se referido à cognição, uma vez que descreve “o estado intacto do intelecto”.

As doenças degenerativas do sistema nervoso (ex: Alzeimer, Parkinson, Huntington e ataxias) acometem cerca de 5 milhões de pessoas somente nos Estados Unidos, e mais de 25 milhões de pessoas em todo o mundo! A DP é uma das mais comuns no eixo das doenças neurodegenerativas, afetando de 1 a 2% da população com mais de 65 anos (Kandel, 2014). No que diz respeito à estatísticas no Brasil, pesquisas internacionais estimam que o número de pacientes com DP dobre até 2030, podendo chegar a representar cerca de 3% da população com 60 anos ou mais. No que tange a sua etiologia, refere-se, principalmente, como uma etiologia desconhecida – esporádica. No entanto, alguns estudos observam os padrões de herança relacionados à DP, havendo o mapeamento de loci genéticos variados. Quando relacionada com questões genéticas, a doença é codificada de acordo com o locus mapeado e a proteína mutada. Acredita-se, dessa forma, que o distúrbio resulte de uma combinação de fatores genéticos e ambientais.

Neuroanatomia relacionada à doença de Parkinson

As bases que compreendem o entendimento da DP baseiam-se na compreensão da substância negra do mesencéfalo. A substância negra situa-se entre o tegmento mesencefálico e a base do pedúnculo cerebral, constituindo-se como um núcleo compacto contendo neurônios com inclusões de melanina (o que explica sua denominação). Uma característica importante da maioria dos neurônios da substância negra é que eles utilizam como neurotransmissor a dopamina (neurônios dopaminérgicos).

Fig. 1. Corte transversal do mesencéfalo. Fonte: Adaptado de ANATPAT UNICAMP.
Fig. 2. Corte transversal do mesencéfalo. Fonte: Adaptado do Atlas de Neuroanatomia UFF.

Substância negra e corpo estriado

Funcionalmente, a substância negra apresenta conexões com o corpo estriado, pelas fibras nigro-estriatais e estriado-nigrais, sendo as primeiras dopaminérgicas. O corpo estriado exerce suas funções por meio da formação de circuitos (circuito motor, circuito oculomotor, circuito pré-frontal dorsolateral, circuito pré-frontal orbitofrontal e circuito límbico). Desses circuitos, destaca-se o circuito motor, em que há íntima relação com a substância negra.

O circuito motor origina-se nas áreas motoras do córtex e na área somestésica, projetando-se ao putâmen (de forma somatotópica). Partindo do putâmen, o circuito pode seguir duas vias: a via direta e a via indireta. Percebe-se que tanto no circuito direto, como também no indireto, há conexões com à substância negra, a qual atua por meio das fibras nigroestriatais dopaminérgicas que exercem ação modulatória sobre o circuito motor. Na via direta, a ação modulatória é excitatória e na via indireta, inibitória; haja visto o presença de dois tipos de receptores no putâmen, receptor D1 (excitatório, +) e receptor D2 (inibitório, -).

Fig. 3. Via direta do circuito motor.
Fig. 4. Via indireta do circuito motor.

Note que nas duas vias ocorre a atuação do pálido medial para inativação dos núcleos talâmicos, o que diminui a estimulação do córtex e resulta em inibição das áreas motoras do córtex. No entanto, na via direta ocorre a estimulação do putâmen pela substância negra e a estimulação negativa do putâmen sobre pálido medial, havendo maior estimulação do tálamo e maior estimulação das áreas motoras do córtex, facilitando o movimento. Enquanto isso, na via indireta ocorre maior inibição do putâmen pela substância negra e a atuação do putâmen sobre o pálido lateral, enquanto há ativação do pálido medial pelo subtálamo, resultando na maior inativação do tálamo e inibição das áreas motoras do córtex pelo pálido medial, dificultando o movimento.

Relação da doença de Parkinson, estriado e substância negra

O processo de degeneração de neurônios dopaminérgicos da substância negra resulta na diminuição dos níveis de dopamina no corpo estriado, resultando em alterações motoras características, haja vista que a substância negra é uma importante moduladora do circuito motor. Embora estudos tenham demonstrado que a redução de dopamina é mais grave no putâmen caudal do que a porção do estriado que contém o circuito motor. Considera-se ainda que os primeiros sinais motores evidentes da doença ocorrem quando 70% ou mais da dopamina no estriado foram perdidos, o que atesta a capacidade da rede de núcleos da base-talamocortical de compensar as mudanças dos níveis dopaminérgicos.

Fig. 5. Comparação do mesencéfalo normal e com diminuição da quantidade da substância negra. Fonte: MedlinePlus.

Dopamina

A dopamina é um neurotransmissor integrante da classe das catecolaminas, sendo sintetizada sequencialmente a partir do aminoácido tirosina. Em relação à síntese, a tirosina recebe a atuação da enzima tirosina-hidrolase, convertendo-se em L-Di-hidroxi-fenilalanina (L-DOPA) – que sofrerá a ação da enzima DOPA-descarboxilase, convertendo DOPA em dopamina (DA), e sendo armazenada nas vesículas sinápticas. Os neurônios dopaminérgicos que se projetam para o estriado não se relacionam com aspectos específicos do movimento, mas às informações de reforço comportamental. Considerando-se a doença de Parkinson, 40% dos pacientes sofrem de distúrbios de motivação, já que mudanças na atividade das células dopaminérgicas durante atividades comportamentais sinalizam uma discrepância entre a expectativa da recompensa e a liberação de dopamina. 

Fig. 7. Síntese de dopamina na doença de Parkinson. Fonte: Google imagens.

Nesse prisma, a liberação de dopamina ajuda a definir o comportamento do humano por aumentar a eficiência das sinapses que estão envolvidas na geração do comportamento compensado. Nesse sentido, as aferências dopaminérgicas podem fornecer informações sobre o valor comportamental dos estímulos. Supõe-se, nessa perspectiva, que o estriado encontra-se envolvido com o aprendizado motor e o desenvolvimento de padrões de movimentos habituais. Os padrões motores de unidades comportamentais são considerados uma vantagem significativa para o cérebro, principalmente no que se refere ao curso da reprogramação de sequências de movimentos individuais. Nesse aspecto, considera-se que um conjunto de disparos anormais, atividade neuronal oscilatória sincronizada pelo circuito da base-talamocortical e mudanças das frequências de disparo sejam pontos importantes para a acinesia parkinsoniana e tremor.

Outras relações neuronais

Na década de 80 do século passado, os neurocientistas passaram a admitir que a DP poderia ter íntima relação com a exposição a substâncias químicas, após um grupo de 400 pessoas ter desenvolvido sintomas similares aos da doença de Parkinson após o consumo de uma droga contaminada com a substância MPTP (1-metil-1-fenil-1,2,3,6-tetradropiridina) (Pavão, 2007). Além disso, demonstrou-se que, em estudos com primatas tratados com MPTP, a indução do parkinsonismo está acompanhada de uma diminuição na frequência de disparos dos neurônios do pálido externo e de um aumento na atividade do núcleo subtalâmico e do pálido interno.

Algumas proteínas implicadas na DP afetam a função e a integridade mitocondrial. Dessa maneira, estudos demonstram uma relação entre o estresse oxidativo mitocondrial elevado nos neurônios dopaminérgicos do sistema nervoso central de humanos e o desencadeamento de uma cascata tóxica dependente de dopamina, levando à disfunção lisossômica e ao acúmulo de α-sinucleína – relacionando-se casualmente à três principais características da DP. Além disso, dados também sugerem que o aumento da dopamina citosólica contribui para o estresse oxidativo mitocondrial elevado, sugerindo um ciclo vicioso de dopamina e oxidação mitocondrial nos neurônios do mesencéfalo humano (Jeon, 2017; Kandel, 2014).

No que tange ao envolvimento genético; isto é, ao parkinsonismo herdado, algumas mutações foram identificadas. Em contrapartida, a maioria das pessoas com DP não apresentam os genes descritos.  Tem-se, assim,  a descrição do locus e da proteína relacionada em alguns tipos de DP, como a PARK1 (doença de Parkinson tipo 1), causada por mutações no gene alfa-sinucleína; a PARK2 (doença de Parkinson tipo 2), causada por mutações no gene parkina; PARK3, causada por mutações no gene UCH-L1, entre outras representações.

Sintomas

Os pacientes com DP apresentam sintomas característicos que envolvem parâmetros motores e não-motores. Os não-motores, em estágio inicial, envolvem distúrbios visuoespaciais e, nos estágios mais avançados, a depressão pode ser destacada. Em relação aos sintomas motores, tem-se a acinesia, rigidez, tremor de repouso e instabilidade postural.  A acinesia relaciona-se com a lentidão do movimento (bradicinesia) e execução dos movimentos voluntários, havendo comprometimento da capacidade de iniciar e manter os movimentos. Já a instabilidade postural relaciona-se com a perda de reflexo do indivíduo, podendo promover uma tendência do indivíduo de inclinar-se para frente. A rigidez refere-se a uma hipertonia plástica que se relaciona, principalmente, com a musculatura flexora, contribuindo para a inclinação postural citada. No que se refere ao tremor de repouso característico, tal sintoma é evidenciado em algumas atividades; como o processo de escrita, a marcha e durante situações de esforço mental. O tremor poderá ser um ponto de perturbação do sono, evidenciando-se a tremulação dos membros, promovendo agitação e alarme. Além disso, pode haver alterações nas ações dos músculos da língua e faringe, havendo dificuldade no ato da alimentação e fala. Ademais, a articulação torna-se comprometida e a urina e as fezes involuntárias.

Fig. 8. Sintomas da doença da Parkinson. Fonte: InfoEscola (adaptado).

Referências

  • BARBOSA, E. R.; SALLEM, F. A. S. Doença de Parkinson – Diagnóstico. Revista Neurociencias, v. 13, n. 3, p. 158–165, 2005.
  • BERRIOS, G. E. Introdução à “Paralisia agitante”, de James Parkinson (1817). Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 19, n. 1, p. 114–121, 2016.
  • CHAGRAOUI, A. et al. L-DOPA in parkinson’s disease: Looking at the “false” neurotransmitters and their meaning. International Journal of Molecular Sciences, v. 21, n. 1, 2020.
  • JEON, S. et al. dysfunction in Parkinson ’ s disease. Science, v. 357, n. 6357, p. 1255–1261, 2017.
  • KORCZYN, A. D. Pharmacological Aspects. Diet and Nutrition in Palliative Care, p. 401–401, 2011.
  • PARKINSON, J. An essay on the shaking palsy. 1817. The Journal of neuropsychiatry and clinical neurosciences, v. 14, n. 2, p. 223–236, 2002.
  • PAVÃO, R. Aprendizagem implícita e a doença de Parkinson. p. 98, 2007.
  • SMITH, Y. et al. Parkinson’s disease therapeutics: New developments and challenges since the introduction of levodopa. Neuropsychopharmacology, v. 37, n. 1, p. 213–246, 2012.