33. Circulação liquoriana

José Lucas Costa Moreira¹ e Sabrinna Taisa Gonçalves Flor¹

¹Acadêmico em Fisioterapia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e monitor no Programa de Monitoria da área V.

Introdução

O sistema nervoso central (SNC) é formado por estruturas nobres e essenciais para a vida humana e, dessa forma, necessitam de um elevado grau de proteção. Uma das suas principais formas de proteção se dá por meio da circulação do líquor.

O líquor, ou líquido cerebroespinal é um fluido aquoso e incolor secretado pelo epitélio ependimário, principalmente dos plexos corioides, que ocupa o espaço subaracnóideo e as cavidades ventriculares. Sua principal função é a proteção mecânica do SNC, além de servir como um amortecedor de choques que frequentemente atingem o corpo. Além disso, o líquor também proporciona a manutenção de um meio químico estável no sistema ventricular, a excreção de produtos tóxicos do metabolismo das células do tecido nervoso e também atua como um veículo de comunicação entre as diferentes áreas do SNC.

A circulação do líquor segue uma ordem, que se inicia com a sua produção nos  ventrículos laterais, especificamente nos plexos corioides, prosseguindo para o III ventrículo através dos forames interventriculares (Forame de Monro). Em seguida, parte para o IV ventrículo por meio do aqueduto mesencefálico e, por fim, através dos forames laterais (de Luschka) e mediais (de Magendie), chega ao espaço subaracnóideo, onde será absorvido pelas granulações aracnóideas que se projetam no interior dos seios da dura-máter; alcançando, assim,  a circulação geral sistêmica.

Fig 1: Diagrama esquematizando a circulação do líquor. Fonte: Autoria própria.
Fig. 2: Estruturas da circulação liquoriana. Fonte: Adaptado do site teach me anatomy.

VENTRÍCULOS LATERAIS

Fig. 3: Encéfalo em corte sagital mediano, a seta vermelha evidencia o ventrículo lateral fechado pelo septo pelúcido. Fonte: Autoria própria.

Os ventrículos laterais correspondem à luz do telencéfalo. Há um ventrículo lateral em cada hemisfério cerebral e, portanto, temos o ventrículo lateral direito e o ventrículo lateral esquerdo, cada qual se localizando nos hemisférios cerebrais correspondentes. Eles se comunicam livremente com o III ventrículo, presente no diencéfalo, através dos forames interventriculares (forame de Monro), porém não se comunicam entre si devido à presença do septo pelúcido, uma delgada parede localizada entre o fórnice e o corpo caloso, que tem como função separar os ventrículos laterais.

Apresentam uma parte central e três cornos: frontal, temporal e occipital. Esses ventrículos são revestidos por epêndima e contém líquor/líquido cerebrospinal. A pia-máter, meninge mais interna que ocupa a fissura transversa do cérebro, penetra entre o fórnice e o tálamo e empurra de cada lado o epêndima que reveste a cavidade ventricular, para com ele constituir o plexo coroide da parte central dos ventrículos laterais. Na região dos cornos frontal e occipital não há plexos coroides. Entretanto, o plexo coroide do ventrículo lateral é contínuo com o do III ventrículo e se estende até o corno temporal.

Fig. 4: Morfologia dos ventrículos laterais. Fonte: Adaptado de Netter (2000).

III VENTRÍCULO

O III ventrículo corresponde à luz presente no diencéfalo, é uma fenda estreita e mediana que se comunica com os ventrículos laterais, anteriormente citados, através dos forames interventriculares.

Fig. 5: Representação Ventrículos laterais conectados ao terceiro ventrículo pelo forame interventricular. Adaptado do site stringfixer.

Já sua comunicação com o IV ventrículo é feita através do aqueduto mesencefálico (ou cerebral), um canal estreito que corresponde à luz do mesencéfalo.

Sobre as estruturas do III ventrículo, temos:  sulco hipotalâmico, uma depressão que se estende do aqueduto cerebral até o forame interventricular, que delimita a região do tálamo (que fica acima do sulco hipotalâmico) e a região do hipotálamo (abaixo do sulco hipotalâmico). Outra estrutura importante presente no III ventrículo é a aderência intertalâmica, uma ponte de substância cinzenta que une os dois tálamos, embora possa estar ausente em até 30% dos indivíduos.

Formando o assoalho do III ventrículo temos as seguintes formações: quiasma óptico, infundíbulo, túber cinéreo e corpos mamilares, pertencentes ao hipotálamo.

O limite posterior é pequeno, sendo formado pelo epitálamo, que se localiza acima do sulco hipotalâmico. Saindo de cada lado do epitálamo e percorrendo a parte mais alta das paredes laterais do ventrículo, há um feixe de fibras nervosas, as estrias medulares do tálamo, onde se insere a tela corioide, que forma o teto do III ventrículo. A partir da tela corioide, invaginam-se na luz ventricular os plexos corioides do III ventrículo, que se dispõem em duas linhas paralelas e são contínuos, através dos respectivos forames interventriculares, com os plexos corioides dos ventrículos laterais.

O limite anterior é formado pela lâmina terminal, uma lâmina delgada de tecido nervoso que une os dois hemisférios, e pela comissura anterior. Ambas estruturas são telencefálicas, pois derivam da parte central não evaginada da vesícula telencefálica do embrião.

Fig. 6: Diencéfalo, corte sagital, evidenciando estruturas do III ventrículo. Fonte: Anatpat Unicamp.

IV VENTRÍCULO

O IV ventrículo está situado entre o bulbo e a ponte, ventralmente, e o cerebelo, dorsalmente, continuando caudalmente com o canal central do bulbo e cranialmente com o aqueduto cerebral. Assim, comunica-se com o III ventrículo. A cavidade do IV ventrículo se prolonga de cada lado para formar os recessos laterais, que  se comunicam de cada lado com o espaço subaracnóideo por meio das aberturas laterais do IV ventrículo, também denominados forames de Luschka. Além disso, por volta da metade caudal do teto do IV ventrículo observa-se a abertura mediana do ventrículo, no qual por meio dessas cavidades o líquido cerebroespinal passa para o espaço subaracnóideo.

Fig. 7: Diagrama IV ventrículo, com aqueduto cerebral, forame de Luschka, canal central da medula e forame de Magendie . Adaptado de Kenhub.
Fig. 8: Morfologia do assoalho do IV ventrículo. Adaptado de Kenhub.

GRANULAÇÕES ARACNÓIDEAS

A meninge aracnoide é uma membrana muito delicada, justaposta à dura-máter, da qual se separa por um espaço virtual, o espaço subdural, contendo uma pequena quantidade de líquido necessário para a lubrificação das superfícies de contato das membranas. A aracnóide separa-se da pia-máter pelo espaço subaracnóideo,  onde há uma quantidade abundante do  líquido cerebroespinal, como também possui grande comunicação entre os espaços subaracnóideos do encéfalo e da medula.

Em alguns pontos da aracnoide formam-se pequenas invaginações penetrando o interior dos seios da dura-máter, constituindo as granulações aracnóideas, bastante abundantes no seio sagital superior. As granulações aracnóideas levam a pequenos prolongamentos do espaço subaracnóideo, nos quais o líquor está separado do sangue apenas pelo endotélio do seio e uma delgada camada de aracnoide. São estruturas excepcionalmente adaptadas à absorção do líquor, que neste ponto, vai para o sangue. Dessa forma, seguem para a drenagem venosa do encéfalo, já estudado e evidenciado no roteiro 14 sobre vascularização do  sistema nervoso central.

Fig. 10: Seção transversal do seio sagital superior mostrando uma granulação aracnóidea e a disposição das meninges e espaços meníngeos. Fonte: Netter (2000).

Ou seja, através das aberturas medianas e laterais do IV ventrículo, o líquido cerebroespinal passa para o espaço subaracnóideo, sendo reabsorvido principalmente pelas granulações aracnóideas que se projetam para o interior da dura-máter. Como essas granulações predominam no eixo sagital superior, a circulação do líquido se faz de baixo para cima, devendo atravessar o espaço entre a incisura da tenda e o mesencéfalo. No espaço subaracnóideo da medula, o liquor desce em direção caudal, mas apenas uma parte retorna, pois a reabsorção liquórica ocorre nas pequenas granulações aracnóideas existentes nos prolongamentos da dura-máter que acompanham as raízes dos nervos espinais.

Fig. 12: Estruturas adjacentes à circulação cerebroespinhal Fonte: Netter (2000).

Referências:
Moore, Keith L. Anatomia orientada para a clínica / Keith L. Moore, Arthur F. Dalley, Anne M.R. Agur; tradução Claudia Lucia Caetano de Araujo. – 7. ed. – Rio de Janeiro: Koogan, 2014, il⁣⁣
Hansen John T. Anatomia Clínica de Netter / John T. Hansen, David R, Lambert; Tradução Terezinha Oppido. – Porto Alegre : Artmed 2007. 688p: il;⁣⁣
MACHADO, A.B.M.; HAERTEL, L.M. Neuroanatomia funcional. 3° ed. São Paulo: Atheneu, 2006.⁣⁣
MENESES, M.S. Neuroanatomia Aplicada: 3. ed. Editora Guanabara, 2011.⁣⁣
KENHUB. Anatomia da cabeça. 2020. Disponível em < https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/meninges-ventriculos-e-suprimento-sanguineo-do-cerebro >. Acesso em: 23 de setembro de 2021.
Atlas de Neuroanatomia para Patologistas Cérebro adulto normal – cortes sagitais, linha média. Disponível em http://anatpat.unicamp.br/bineucerebrosagital1.html. Acesso em: 23 de setembro de 2021.