O Cefalóforo e a Neurociência

Rodson Ricardo do Nascimento

Segundo a tradição da Igreja, o dia 09 de outubro é dedicado a memória de São Dinis (Dênis, ou Dionísio), bispo e compenheiro de mártires. Segundo a tradição, São Dinis, enviado pelo Papa à Gália, foi o primeiro bispo de Paris e, juntamente com o presbítero Rústico e o diácono Eleutério, sofreu o martírio, no século III, nos arredores desta cidade. O que há de diferente na história de São Dênis é que ele é o “mártir cefalóforo”…

Os corpos decapitados dos três mártires foram jogados no Reno. Conta a Tradição que São Dionísio emergiu das águas carregando sua cabeça decapitada, e, seguindo por uma rua que posteriormente foi chamada de Rua dos Mártires, entregou-a a uma nobre chamada Catulla. A mulher, impressionada, sepultou o Bispo em uma propriedade de sua família, onde hoje é a Basílica de São Denis. Por causa deste episódio, ele é chamado de Mártir Cefalóforo, ou seja, “carregador de cabeça”.

A estória de São Dinis pode causar incredulidade, mas também levanta uma importante questão para a ciência: o que acontece com a consciência na hora da morte? Apesar dos constantes avanços da ciência, muitas questões ainda ficam no ar, principalmente sobre a decapitação de seres humanos. Um estudo realizado por um neurocientista, Dr. Guillaume Thierry, da Bangor University (Reino Unido) levantou uma reflexão: pessoas decapitadas continuam conscientes? Em caso afirmativo, por quanto tempo? Embora a maioria dos neurocientistas acredite que a “consciência morre” após um minuto, há relatos de animais que sobreviveram muito mais tempo sem cabeça: “Por sua vez, em uma pesquisa publicada na revista Frontiers in Aging Neuroscience, cientistas registraram as ondas cerebrais de um paciente com convulsões, e durante o estudo, ele morreu de ataque cardíaco. As descobertas sugeriram que algumas ondas cerebrais mudaram seus padrões mesmo depois que o paciente morreu e o sangue parou de fluir para o cérebro”.

A reportagem conclui afirmando que “atualmente, a ciência ainda não sabe por quanto tempo pessoas decapitadas continuariam conscientes, e o neurocientista espera que ‘pesquisas futuras no campo, com medições mais longas da atividade neural após a morte’ consigam responder à questão”.

Do ponto de vista celular, a questão é ainda mais complexa: “Pesquisadores nos Estados Unidos anunciaram que conseguiram manter vivas por 36 horas células de cérebros de porcos decapitados, embora tenham reconhecido os problemas éticos envolvidos neste tipo de técnica, de acordo com a revista americana MIT Technology Review”.

A inovadora técnica de microvascularização cerebral parece tão surreal quanto um filme de zumbi: “Os pesquisadores de Yale afirmam que conseguiram restaurar a circulação nos cérebros dos porcos, alimentando-os com oxigênio através de um sistema de bombas e bolsas de sangue artificial mantidas na temperatura do corpo”. Os efeitos são quase tão extraordinários quanto a caminhada de São Dinis pelas ruas da antiga cidade de Paris: “Graças ao sistema, chamado BrainEx, bilhões de células desses cérebros foram mantidas em boa saúde e capazes de atividade normal, de acordo com o artigo que cita a apresentação de Nenad Sestan […] A técnica, no entanto, suscita muitas questões éticas, levantadas pelo próprio Nenad Sestan, indica o MIT Tecnology Review. No caso de ser tentada em humanos, a pessoa cujo cérebro foi mantido vivo manteria memórias, identidade ou direitos?” O santo Cefalóforo parece ainda ter algo a nos dizer.

Fonte:

Neurocognitive Aging and Behavior, PNAS, The Conversation https://www.rfi.fr/br/ciencias/20180428-porcos-decapitados-estudo-mostra-que-celulas-de-cerebro-sobreviveram-36-horas

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