Rodson Ricardo do Nascimento
Introdução
A história da ciência está longe do ambiente acético e politicamente correto das universidades. Também está igualmente distante do pseudoantagonismo entre mística e razão, ciência e política. Um exemplo disso foram as pesquisas com animais desenvolvidas por John Cunningham Lilly (1915-2001) no século passado. Lilly foi um dos mais geniais e polêmicos cientistas norteamericanos, um tipo raro de cientista capaz de unir diferentes disciplinas e problemas filosóficos, religiosos e científicos: medicina, neurociência, etologia, psicanálise, filosofia e esoterismo. Além disso ele foi inventor de sucesso e escritor talentoso.
John Lilly foi frequentemente visto como excêntrico e controverso em suas pesquisas sobre a natureza da consciência. Ele fez parte de uma geração de cientistas e pensadores da contracultura que incluía Ram Dass, Werner Erhard e Timothy Leary, o “guru dos Beatles” e o “Pai do LSD”. Para muitos ele foi um misto de gênio e profeta; para outros uma personificação arquetípica de um cientista brilhante, mas louco e perigoso. Infelizmente ele é pouco conhecido no Brasil, embora seus livros tenha inspirado filmes como “O Dia do Golfinho” (1973) e “Estados Alterados” (1980). Este artigo analisa um dos mais brilhantes e polêmicos experimentos de Lilly: o tanque de isolamento e a comunicação com golfinhos.
Em busca da consciência
O que é a mente? No início da década de 1950, houve um debate acalorado no mundo da neurociência. Este envolvia as relações entre o Sistema Sensorial (SS) e a Consciência. Cada órgão sensorial (visão, audição, olfato, paladar e tato) tem funções específicas e sistemas sensoriais dedicados para processar as informações sensoriais e transmiti-las ao SNC para interpretação. É essa interpretação que gera a maior parte do conteúdo de nossa consciência.
Alguns cientistas acreditavam que o cérebro apenas respondia aos estímulos do ambiente. Portanto, como resultado, eles acreditavam que se todos os estímulos fossem removidos, o cérebro basicamente deixaria de funcionar. Outros levantaram a hipótese de que o cérebro continuaria a funcionar. O Dr. John Lilly, na época neurofisiologista do Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, decidiu testar essa teoria. Para isso, ele projetou e construiu o primeiro tanque básico de privação sensorial.
Na verdade, Lilly já era conhecido no mundo da ciência. Por exemplo, ele foi a primeira pessoa a mapear os caminhos da dor e do prazer no cérebro e desenvolveu métodos indolores para introduzir eletrodos profundamente no córtex de um animal, permitindo pesquisas inovadoras. Por isso, apesar de “sua alma hippie”, Lilly sempre trabalhou em projetos estatais, como quando conduziu pesquisas em grandes altitudes durante Segunda Guerra Mundial. Mas ele ganhara grande renome mesmo na década de 1950. Naquela época, havia três coisas que andavam juntos nos EUA: ocultismo, drogas e estados alterados de consciência.
Em 1934, Lilly leu “O Admirável mundo novo”, do perenialista Aldous Huxley. Os métodos de controle farmacológico da distopia de Huxley e as ligações entre os processos físico-químicos do cérebro e as experiências subjetivas da mente ajudaram a inspirar Lilly a abandonar seu estudo de física e seguir a biologia, eventualmente concentrando-se na neurofisiologia.
Lilly amava a anatomia. No início de seus estudos de medicina Lilly iniciou o estudo da anatomia, realizando dissecações em 32 cadáveres durante sua formação. Certa vez, ele esticou um trato intestinal inteiro ao longo de uma sala para determinar o seu comprimento com precisão.
Apesar de “excêntrico” Lilly recebia financiamento da NASA e da CIA e usou tanques aquáticos, nos quais os usuários ficavam isolados de quase todos os estímulos externos, como um meio de explorar a natureza da consciência humana. Mais tarde, ele combinou esse trabalho com seus esforços para se comunicar com os golfinhos.
O Big Brother da ciência
Lilly voltou sua atenção para os golfinhos no final da década de 1950, quando fundou o Communication Research Institute em St. Thomas, nas Ilhas Virgens, um centro dedicado a promover a comunicação entre humanos e golfinhos. Ali, em 1965, Lilly conduziu seu experimento mais notório e altamente criticado. A pesquisa com os golfinhos tinha alguns objetivos como compreender a mente dos golfinhos, em especial, a sua capacidade linguística e “alfabetizá-los”. O resultado desse experimento está no livro: “A Mente do Golfinho: uma Inteligência não humana”.
Nesse clássico da neurociência cognitiva, datado de 1967, o Dr. Lilly detalha as descobertas de sua pesquisa sobre as habilidades dos golfinhos, as ideias atuais (na época) sobre seu intelecto e os paradoxos da comunicação entre espécies. O livro inclui um relato detalhado do experimento realizado por um golfinho e um humano vivendo juntos em uma casa especialmente projetada, e esta edição ampliada inclui fotografias em preto e branco do “casal”.

Durante dez semanas, a sua jovem assistente, Margaret Howe, ofereceu-se para viver confinada com Peter, um golfinho nariz de garrafa, numa casa inundada de água, permitindo-lhes viver, dormir, comer, lavar-se e “brincar intimamente juntos”. O objetivo do experimento era ver se um golfinho poderia aprender a fala humana e se relacionar emocionalmente com um humano (!). Numa entrevista, Howe chegou a admitir que masturbou Peter várias vezes sob a supervisão de Lilly. Mas a interação de Lilly com Peter não parou por aí. Ele passou a utilizar técnicas cada vez mais radicais de pesquisa incluindo drogas alucinógenas que alteravam o funcionamento da mente, incluindo cetamina e LSD. O golfinho Peter acabou morrendo em consequência dessas experiências psicodélicas.
Hoje, achados recentes levantam a suspeita que Lilly estava longe de ser um “simples hippie” ou um “cientista excêntrico”. Seus experimentos com privação sensorial e uso de drogas psicotrópicas faziam parte de um projeto trevoso para o controle mental e a manipulação comportamental desenvolvida pelos serviços secretos dos EUA durante a Guerra Fria. Trata-se de mais um exemplo dos males que a ciência pode promover caso não esteja baseada a um norte moral…
Referências: