
Euclides da Cunha foi um escritor e jornalista que apresentou como ninguém a excelsa paisagem sertaneja no início do século XX. Em sua obra-prima “Os Sertões” (1902), elaborada quando era correspondente na Guerra de Canudos (1896-1897), pode retratar um cenário vívido e singelo do clima, geografia e do próprio sertanejo o qual sobrevivia alheio aos acontecimentos da recém-proclamada república brasileira.
Durante a incursão, o escritor pode elaborar a descrição de um cadáver de soldado que jazia há cerca de 3 meses embaixo de uma grande quixabeira:
“Morrera no assalto de 18 de julho. A coronha da Mannlicher estrondada, o cinturão e o boné jogados a uma banda, e a farda em tiras, diziam que sucumbira em luta corpo a corpo com adversário possante… Não compartira… a vala comum de menos de um côvado de fundo em que era jogados, formando pela última vez, os companheiros abatidos na batalha. O destino que o removera do lar desprotegido fizera-lhe afinal uma concessão: livrara-o da promiscuidade lúgubre de fosso repugnante; e deixara-o ali há três meses”.
Mas o que nos traz aqui envolve o estado de decomposição do corpo:
“E estava intacto. Murchara apenas. Mumificara conservando os traços fisionômicos,de modo a incutir a ilusão exata de um lutador cansado, retemperando-se em tranquilo sono, à sombra daquela árvore benfazeja. Nem um verme… lhe maculara os tecidos. Volvia ao turbilhão da vida sem decomposição repugnante, numa exaustão imperceptível. Era um aparelho revelando de modo absoluto, mas sugestivo, a secura extrema dos ares”.
Aparentemente, o caso envolvia também os animais vitimados na guerra:
“Os cavalos mortos naquele mesmo dia semelhavam espécimens empalhados, de museus. O pescoço apenas alongado e fino, as pernas ressequidas e o arcabouço engelhado e duro”.
Mas o que poderia ter criado as condições para tal mumificação? Aparentemente o clima extremamente quente e seco do sertão baiano pode ter propiciado uma extensa dessecação do corpo. Associado à perda de sangue pelos ferimentos durante o combate, as condições podem ter proporcionado a mumificação. Dessa maneira, é possível que a grande desidratação corporal não tenha permitido que enzimas e bactérias pudessem degradar os tecidos, deixando parcialmente conservados pele e músculos.