Uma perspectiva histórica do treinamento de força

Bento J Abreu

Uma das formas de aprofundarmos sobre determinado assunto é entendê-lo por meio de suas origens. Estas informações nos permitem analisar o tema e projetar possíveis desdobramentos futuros. Portanto, apresentaremos um breve relato acerca da história do treinamento de força.

Também chamado popularmente de treinamento resistido, “contra resistência” ou de sobrecarga, o treinamento de força pode ser descrito como um exercício de sobrecarga específica voltada para manutenção, aumento ou desenvolvimento da força muscular, resistência e/ou potência. Neste contexto, o treinamento com cargas é uma modalidade que se utiliza de diferentes tipos e formas de exercícios para o fortalecimento, dentre os quais podemos citar o uso da resistência por meio de elásticos, pesos livres ou aparelhos de musculação.

As origens do treinamento com pesos remontam à China antiga e à cultura Grega. Neste país, por exemplo, textos atribuídos à Hipócrates já relacionavam o treinamento de peso ao desenvolvimento muscular. Ainda na Grécia, existem relatos de que o próprio treinamento de resistência do lendário Hércules ocorrera sob a supervisão de seu técnico, Chiron; e, no berço dos jogos olímpicos, o treinamento com pesos já era um esporte relativamente comum.

Um mito histórico bastante conhecido é o de Milon de Crotona, um lutador olímpico grego. Sendo responsável por tomar de conta de um rebanho de gado, Milon deveria levar diariamente seu rebanho para pastar em locais diferentes. Certa vez, uma vaca pariu um bezerro que, sem condições de percorrer o caminho, era carregado por Milon por todo o percurso. Com o passar do tempo, com o ganho do peso do bezerro e a contínua atividade de carregá-lo em suas costas, Milon foi adquirindo gradativamente força muscular, e essa “sobrecarga progressiva” é tida como um dos princípios do treinamento de força. Exagera-se que o animal pesaria cerca de 350 kg e Milon o teria carregado por uma distância aproximada de 158 metros.

Nota: A imagem que ilustra este texto é de Jean-Jacques Bachelier (1795), que ilustra a trágica morte de Milon por leões.

Na Grécia não existiam halteres ou barras, e as pedras eram utilizadas como objetos para demonstrações de força entre e prática do treinamento. Em uma dessas famosas pedras, chamada “Pedra de Bybon”, a qual pesava 143 kg, havia a seguinte inscrição: “Bybon, Filho de Phalos, arremessou esta pedra por cima da cabeça com uma mão”. Já em outra pedra que pesava 480 kg, havia os dizeres: “Eumatas, filho de Critobulus, levantou-me do chão”.

Por sua vez, textos chineses evidenciaram que o exército da dinastia Chou, a qual governou o então território chinês por volta por volta de 1122-1249 A.C., também utilizava o treinamento resistido com pesos como critério para o alistamento militar.

A popularidade do treino com pesos aumentou bruscamente a partir do século VI, quando competições em que os atletas tinham que lançar ou elevar pedras pesadas tornou-se bastante comum. Foi num período posterior, denominado por alguns como a “Era da Força”, que o herói do exército grego, Milo de Crotona, desenvolveu uma forma de exercício progressivo de força. Em face do maior conhecimento adquirido sobre o treino de força e, de acordo com o tratado do físico e filósofo Galen – “Preservação da Saúde”, o poderoso exército romano também passou a utilizar formalmente exercícios com pesos para o treinamento de seus soldados.

Com o advento da impressão gráfica, Thomas Elyot, em 1531, escreveu o primeiro livro sobre o tema. Neste, eram abordados os exercícios necessários para desenvolvimento e ganho muscular. Por volta de 1544, universidades na Alemanha e França começaram a oferecer aulas sobre o treinamento com pesos e, então, passaram a recomendar este tipo de treinamento para o currículo escolar.

Além disso, não podemos nos esquecer de que o próprio treinamento com pesos passou a ser considerado um método para a reabilitação física a partir de publicação de John Paugh, em 1728. No século posterior, enquanto o exército britânico já utilizava exercícios com anilhas e pesos para o treinamento de seus soldados, o treinamento de levantamento de peso era considerado por muitos uma típica atividade circense.

No final do século XIX, os campeonatos profissionais de levantamento de pesos nos anos de 1896 e 1898, em Roterdã e Viena, respectivamente, apontaram os primeiros campeões. Anos mais tarde, seria fundada a Federação Internacional de Levantamento de Peso, em 1905.

Nas décadas de 30 e 40 do século passado, o treinamento de força era praticado quase que exclusivamente por um número restrito de atletas levantadores de peso olímpico, além de fisiculturistas. Acreditava-se que muitas pessoas não praticavam esse tipo de treinamento devido aos riscos até então atribuídos à modalidade, tais como lesões musculoesqueléticas diversas e encurtamento muscular (STEVEN E SIMÃO, 2008).

Foi justamente em meados do século passado que as técnicas de treinamento com pesos tomaram a forma atual, havendo a popularização das academias de ginástica e a busca por uma estética típica de atleta. A partir das décadas de 50 e 60, o treinamento resistido foi recomendado para a reabilitação e desempenho atlético. Logo após a II Guerra Mundial, DeLorme (1945), um físico do exército, empregou exercícios progressivos contra resistência em programas de reabilitação de veteranos de guerra com disfunções ortopédicas. DeLorme e Watkins (1948) enfatizaram que o uso de alta carga e poucas repetições poderia desenvolver a força muscular, ao passo que uma pequena carga associada a um grande número de repetições poderia desenvolver a resistência muscular. Assim, o treinamento de força passou a ser peça integral para o incremento do desempenho no treinamento de atletas. A disseminação de trabalhos que envolviam a caracterização dessas e outras variáveis de treinamento associada aos resultados positivos na recuperação de pacientes propiciaram também grande aceitação do treinamento resistido como técnica na reabilitação musculoesquelética. O fato é que a grande popularização da musculação, pelo menos nos Estados Unidos, ocorreu nas décadas de 50 e 60, talvez pela disseminação de academias de ginástica, idealização do físico dos super-heróis de revistas em quadrinhos e por diversos concursos para praticantes de fisiculturismo.

Em 1978, o Colegiado Americano de Medicina do Esporte (ACSM em inglês) publicou o texto intitulado “A Quantidade e Qualidade de Exercício Recomendada para Desenvolvimento e Manutenção da Capacidade Física de Adultos Saudáveis”. Apesar da falta de evidência científica para vários parâmetros de exercícios, o guia foi importante para se alavancar as pesquisas nessa área.

Foi por volta de da década de 80 que vários centros de saúde e de bem-estar reconheceram o impacto positivo do treinamento resistido no desempenho atlético e bem-estar geral. O treinamento de força passou a ser praticado por indivíduos de ambos os sexos que objetivavam melhor condicionamento, manutenção da saúde e melhorias estéticas. Posteriormente, a comunidade médica reconheceu o valor potencial dessa técnica para a capacidade funcional do indivíduo e de outros tópicos relacionados à sua saúde como metabolismo basal, densidade óssea, controle do peso, saúde da coluna lombar, entre outros (FEIGENBAUM E POLLOCK, 1999).

Hoje em dia, o treinamento de força continua bastante popular à medida que cresce o interesse por várias modalidades desportivas. Novas descobertas colocam esse tipo de treinamento como uma atividade segura para a população em geral e, inclusive recomenda-se o treinamento de força para indivíduos que padecem de alterações de ordem muscular, óssea, articular, cardiovascular ou endócrina. Assim, homens, mulheres, idosos, adolescentes ou atletas desenvolvem atividades físicas com o utensílio de pesos em academias de ginástica como uma forma de incremento no desempenho desportivo, melhora estética e prevenção de lesões (RISSER, 1991), além da manutenção da saúde e bem-estar físico do indivíduo.

Referências:

DELORME, T. L. Restoration of muscle power by heavy resistance exercise. J. Bone Joint. Surg. 27:645-667, 1945.

DELORME, T. L. and A. L. WATKINS. Technics of progressive resistance exercise. Arch. Phys. Med. 29:263-273, 1948.

FEIGENBAUM MS, POLLOCK ML. Prescription of resistance training for health and disease. Med Sci Sports Exerc. 1999 Jan;31(1):38-45.

RISSER WL. Weight-training injuries in children and adolescents. Am Fam Physician. 1991;44:2104-2108.

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