
Bento J Abreu
Sabe-se que o treinamento com pesos nas academias tem grande importância na promoção da saúde e no incremento do componente estético. Ainda, essa atividade é bastante utilizada para a reabilitação de uma infinidade de doenças e condições médicas. No entanto, como observado anteriormente, dados na literatura postulam que tanto os atletas profissionais quanto os recreacionais estão sujeitos a desenvolver lesões agudas ou crônicas relacionadas ao treinamento de força com pesos, seja num dado esporte ou em academias de ginástica.
Já que vários atletas têm o treinamento de força com pesos como uma forma de atividade desportiva, compete ao profissional da saúde (fisioterapeutas, educadores físicos, médicos fisiatras e ortopedistas, entre outros…) que lida diretamente com esse público saber quais as lesões mais comuns e como tratá-las. Além disso, tal profissional deve conhecer os princípios básicos da atividade desportiva em questão, diagnosticar e auxiliar no plano de tratamento. Não meno mportante, deve promover o correto aconselhamento de pacientes tendo em vista a prevenção de lesões relacionadas ao esporte.
Na academia de ginástica, especialmente, há uma verdadeira lacuna acerca das lesões mais preponderantes, assim como formas de prevenção, tratamento e reabilitação. Para revisarmos o assunto na literatura científica, buscamos nas bases eletrônicas de dados MEDLINE, LILACS e SciELO, limitadas a publicações até dezembro de 2010, as seguintes palavras-chave relacionadas ao treinamento de força: “treino de resistência”, “treinamento de peso”, “treino de força”, “lesões”; ou doenças e lesões que, a nosso ver e de acordo com sua patofisiologia, possuíssem correlação com o que observamos em academias de ginástica. Listas de referências dos estudos selecionados e de demais estudos relevantes, assim como livros técnicos da área também foram utilizados para a identificação dos assuntos.
A quantidade de material encontrado foi surpreendentemente baixa. Apesar do reconhecimento informal da presença de várias lesões relacionadas a exercícios que envolvem o treinamento com pesos em academias de ginástica, quase não há dados científicos que demonstram quantitativamente as características dessas lesões.
A partir desses dados, podemos dividir de forma bem básica as lesões que envolvem o treinamento de força em lesões agudas, crônicas e relacionadas à velocidade.
Lesões Agudas
Esse tipo de lesão ocorre a partir de um evento traumático súbito. Lesões agudas correspondem a aproximadamente 60-75% de todas as lesões, comparando-se futebol americano e praticantes de power lifting, e frequentemente variam quanto ao tipo e severidade (CALHOON E FRY, 1999). Essas lesões agudas podem, por sua vez, ser subdivididas em emergenciais e não-emergenciais. As primeiras lesões incluem hérnias de disco agudas, fraturas, deslocamentos, infartos do miocárdio e pneumotórax espontâneo; e, o tempo de afastamento da atividade usualmente é maior que cinco dias. Por outro lado, as lesões não-emergenciais são as mais comuns e envolvem pequenas lacerações e distensões do tecido neuro-musculoesquelético. No entanto, dificilmente impedem a descontinuidade da atividade física e, caso isto ocorra, não ultrapassaria cinco dias.
Se há consenso que as lesões agudas mais comuns são as distensões musculares e entorses ligamentares (KERR ET AL., 2010), há grande debate em relação ao local da injúria. Parece que o local das lesões depende do tipo de treinamento de força. Por exemplo, praticantes de power lifting frequentemente lesam os ombros ao passo que levantadores de peso costumam apresentar lesões nos cotovelos e joelhos.
De acordo com Lavallee e Balam (2010), menos comum é a ocorrência de lesões agudas emergenciais. Estas podem englobar tecidos musculoesqueléticos e não-musculoesqueléticos. Lesões emergenciais agudas não-músculoesqueléticas compreendem hemorragia subaracnóidea, pneumotórax espontâneo, hérnias, infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico e epistaxe.
As lesões agudas musculoesqueléticas mais comuns são as fraturas, deslocamentos e rupturas tendíneas e, frequentemente ocorrem pela perda do controle do peso e durante posicionamento da carga acima da linha do ombro.
Rupturas ligamentares e lesões agudas do tendão são corriqueiramente encontradas em indivíduos que praticam levantamento de peso. As primeiras lesões parecem estar associadas ao movimento inapropriado da articulação enquanto as últimas relacionam-se mais à sobrecarga tênsil do tendão. Também nessa modalidade, o local da lesão depende do tipo do esporte ou modalidade desportiva. Se rupturas no tendão do calcâneo ocorrem mais em jogadores de basquete e levantadores de peso olímpico, o mesmo não ocorre para praticantes de powerlifting. Da mesma forma, rupturas tendíneas do tríceps braquial, e fissuras no peitoral maior são mais comuns em levantadores de peso que realizam o movimento de supino. De certa maneira, encontramos uma forte associação entre o tipo de movimento executado (ou esporte) e o local da lesão.
Lesões crônicas
Diferentemente das lesões agudas, as lesões crônicas possuem um início insidioso e frequentemente originam-se de estresse repetitivo juntamente com um intervalo insuficiente para reparo tecidual ou inabilidade do organismo/tecido em promover adequada recuperação. Lesões crônicas tendem a apresentar-se como resultado de sobrecarga (overuse), e podem representar até 30% de todas as lesões relacionadas ao treinamento de força (RASKE E NORLIN, 2002).
Tendinopatias são as doenças crônicas mais facilmente encontradas e podem responder por até 25% de todas as lesões no treinamento de força. Acometendo principalmente joelhos e ombros, as tendinopatias causam grande impacto no tempo de treinamento (RASKE E NORLIN, 2002).
Outra lesão crônica relativamente comum em atletas que realizam treinamento de força é a artrite. Esta se relaciona ao estresse repetido disposto nas articulações durante anos de treinamento e competição realizando-se o mesmo movimento.
Uma forma mais severa de lesão crônica é a fratura por estresse. Esta doença ocorre em locais de estresse repetitivo e, com o tempo, pode tornar-se uma fratura e acarretar grande disfunção ao atleta. Fraturas por estresse podem ser vistas numa variedade de esportes. Se por um lado as fraturas por estresse predominam em ossos longos e em esportes de corrida, no treinamento de força as fraturas tendem a concentrar-se na coluna, principalmente após sobrecarga repetida no esqueleto axial. Praticamente todos os exercícios de levantamento de peso envolvem algum grau de compressão lombar e cuidado deve ser enfatizado para proteção dessa parte do corpo (LAVALLEE & BALAM, 2010).
Lesões relacionadas à velocidade
O treinamento da potência muscular, embora seja parâmetro fundamental para o bom desempenho desportivo, frequentemente é negligenciado durante o treinamento para determinada atividade física ou durante a reabilitação de lesões. As academias de ginástica já contam com treinamentos específicos ou funcionais que priorizam a potência muscular. Estes exercícios, no entanto, mimetizam mecanismos de lesão do esporte por envolver grande sobrecarga em altas velocidades (LAVALLEE & BALAM, 2010).
Lesões relacionadas à velocidade também estão associadas a determinado tipo de exercício. Exercícios não-balísticos são aqueles que movem o peso de uma forma controlada e lenta, não ultrapassando dois a três segundos. No entanto, exercícios balísticos causam aceleração do peso e potencializam o risco de lesão.
Os exercícios de musculação, powerlifting e bodybuilding são classificados como não-balísticos. Possuem uma miríade de lesões próprias relacionadas, em grande parte, com o elevado estresse direcionado a uma articulação específica ou outra estrutura qualquer do corpo.
Levantamento de peso olímpico e outras modalidades de exercício que visam mimetizar movimentos desportivos são considerados estilos de treinamento balísticos. Nestes eventos, o atleta deve acelerar um peso enquanto gera grande quantidade de força e potência. Deslocamentos e rupturas tendíneas são comuns, principalmente em movimentos de arremesso e rotacionais. Estes movimentos colocam o ombro, a articulação mais lesada, numa posição de risco (ex: extrema flexão e abdução). É fácil visualizar que esse tipo de técnica, além de propiciar eventos traumáticos, pode também comprometer estabilizadores ativos que tentam controlar a articulação e se rompem.
O leitor deve lembrar que ainda há existe uma classificação que relaciona as lesões específicas do esporte. Um exemplo bem nítido é a osteólise clavicular. Esta doença acomete quase que exclusivamente os atletas de powerlifting devido às altas cargas durante o exercício no supino reto, as quais podem chegar a até quatro vezes o peso corporal!
Referências:
KERR ZY, COLLINS CL, COMSTOCK RD. Epidemiology of weight training-related injuries presenting to United States emergency departments, 1990 to 2007. Am J Sports Med. 2010 Apr;38(4):765-71.
LAVALLEE ME, BALAM T. An overview of strength training injuries: acute and chronic. Curr Sports Med Rep. 2010 Sep-Oct;9(5):307-13.
RASKE A, NORLIN R. Injury incidence and prevalence among elite weight and power lifters. Am. J. Sports Med. 2002; 30(2):248-56.