
Bento J Abreu
Em Trabalhadores do Mar (1866), livro clássico de Victor Hugo e traduzido brilhantemente por Machado de Assis, o solitário marinheiro Gilliatt trava uma batalha hercúlea contra a natureza hostil e intempestiva de Guersey. O mar, os ventos, a tempestade, o trabalho próximo aos perigosos rochedos das Douvres, a privação do sono e de uma boa alimentação, a fadiga, o frio e até mesmo a aparição da pieuvre – um polvo de 4 a 5 pés – adquirem o papel de vilões em série, todos determinados a findar com o resgate do barco a vapor Durande, que nos arredores naufragara na companhia de seu misterioso capitão, o Sr Clubin.
Além desta excelente tragédia épica, o que pode cativar e despertar a atenção dos admiradores da Anatomia é a descrição do cadáver do Sr. Clubin, encontrado por Gilliatt às margens de um rochedo, numa caverna semi-oculta, tendo sido agarrado pelo temido polvo no dia do naufrágio da Durande. O trecho cita que o “cadáver estava admiravelmente dissecado. Dissera-se uma preparação de anatomia; toda a carne eliminada; já não restava nenhum músculo”.
Todavia, o que torna a descrição mais notável para nossa área envolve o relato do restante do esqueleto do desafortunado capitão: “os periósteos estavam brancos, polidos e como lustrados… seria marfim puro. As divisões cartilaginosas estavam delicadamente afiladas”.
Como é sabido, o periósteo é uma membrana de tecido conectivo que envolve as superfícies livres dos ossos, excetuando-se as suas porções articulares, sendo responsável pelo suporte de estruturas vasculares e nervosas que suprem o osso. Assim, a apresentação do esqueleto e o tamanho grau de detalhamento do texto demonstram como é impressionante o trabalho do gênio francês; e como a leitura desse clásssico nos proporciona uma verdadeira imersão naquele período.