
Juan Patricio Morlete Ruiz (1713 – 1772) foi um notório pintor mexicano de origem mestiça mundialmente reconhecido por suas “pinturas de casta”. Em suas telas pintadas a óleo, demonstrava características próprias de segmentos sociais como roupas, paisagens e ornamentos, assim como representava a linguagem corporal na América Espanhola do século XVIII.
Duas de suas pinturas certamente despertam a atenção de qualquer anatomista: o “Coração de Maria” e o “Coração de Jesus”. Foquemo-nos na primeira obra de 1759, a qual revela o coração da Virgem Maria envolto por uma labareda e cercado por anjos e várias passagens de sua vida. Nesta obra de Morlete Ruiz, Maria é retratada como uma figura que preserva sua santidade após a concepção de Jesus. Um olhar mais atento evidencia um punhado de flores brancas dispostas numa aorta ascendente seccionada e verticalizada e, acima das flores, uma pomba branca paira sobre o órgão completamente trespassado por uma adaga de fina lâmina.
O posicionamento desse coração é nitidamente verticalizado, com seu ápice projetado inferiormente, e sem qualquer evidência de rotação para a esquerda. A coloração avermelhada, com sombras criadas a partir das labaredas, indica que não há representação da lâmina visceral do pericárdio seroso, por exemplo.
A obra apresenta a face esternocostal do coração, onde podem ser observadas as artérias coronárias direita e esquerda. Esta apresenta suas principais ramificações: os ramos interventricular anterior e o ramo circunflexo; enquanto o ramo marginal daquela é bastante discreto na pintura. Uma ramificação da coronária direita também parece projetar-se para um tronco pulmonar seccionado e bastante horizontalizado.

Não há delimitação entre átrios e ventrículos e as aurículas atriais direita e esquerda não são evidenciadas, assim como as veias cavas. As demais veias como as interventriculares anterior e posterior, ou o próprio sulco interventricular, não foram representados nessa pintura.
O “Coração de Maria” é uma obra-prima pouco reconhecida no Brasil. Assim como diversas pinturas da época, ilustra o modo de vida e de pensar contemporâneos e, no caso, ressalta informações interessantíssimas sobre a visão anatômica de órgãos, com seus erros e acertos.
Dr Bento J Abreu
Editor do site, professor, pesquisador e interessado em assuntos atuais