Maria Madalena e os crânios humanos

Bento J Abreu

Antes de adentrarmos na temática do texto, é importante evidenciarmos que a filosofia relativista vigente fez com que a verdade e o belo deixassem de ser valores universais e próprios da natureza humana. Assim, é recorrente a observação do estado de degradação da arte atual, incompreensível e imiscível ao grande público, a qual almeja desesperadamente atiçar sensações e emoções a partir de uma interpretação subjetiva e individual de uma obra ou realização artística. Segundo André Assis Barreto (2012), a arte moderna preza pelo culto à feiúra, o que nos incapacita em atribuir sentido à vida; e pelo culto à utilidade, no qual toda a ação deve ser dotada necessariamente de algum significado prático.

Basta o nobre leitor deparar-se com uma pintura como Omnia Vanitas (“tudo é vaidade”, 1848), do escocês William Joyce, que facilmente reconhecemos que a beleza é algo fundamental em nossa vida e como a arte é capaz nos fazer transcender o imaginário.

Nessa tela pintada a óleo, a figura de uma mulher contemplativa, Maria Madalena, figura centralmente enquanto se apoia em um crânio humano. O crânio representa a contemplação da morte e a sabedoria que envolvem o arrependimento da ex-prostituta e abnegada seguidora de Jesus que largou a luxúria e lascívia a fim de salvar sua alma. Aparentemente, Dyce participou da campanha de seu amigo e famoso político contemporâneo William Ewart par Gladstone que pretendia “resgatar” as prostitutas daquela época.

Sem a presença da mandíbula, o crânio apresenta-se exposto anterolateralmente por meio de cores claras e frescas que se contrapõem às sombras. A asa maior do esfenoide está ligeiramente maior e a sutura escamosa encontra-se mais horizontal do que se observa normalmente, mas de qualquer maneira o rebuscamento e fidedignidade da obra é impressionante!

Imagens de Maria Madalena e crânios humanos são recorrentes na história. Uma impressionante tela de Maria Madalena penitente, também segurando um crânio, foi pintada por Peter Wtewael em 1820. Desenvolvida em um aspecto mais sensual, com a mama esquerda exposta e ostentando vestimentas mais suntuosas e joias, também segura um crânio humano. Neste, a base do crânio está detalhada e inclusive o forame magno e o processo mastóideo encontram-se facilmente visíveis.

A pintora italiana Artemisia Gentileschi (1593–1652) também possui uma linda obra com o tema, na qual Maria Madalena penitente, usando vestimentas finas e um colar de pérolas, segura o crânio com um tecido branco ao mesmo tempo que olha para cima e possivelmente balbucia algo em busca de salvação.

Por outro lado, o pintor flamenco Anthony van Dyck (1599–1641) expõe uma Maria Madalena praticamente seminua, também mirando o céu, enquanto um crânio situa-se em cima de um livro (Bíblia?) aberto.

Na obra de Jan Boeckhorst  (1668), Maria Madalena medita e chora com um crânio em suas mãos e o céu encontra-se fechado ao fundo. No crânio, sua visão lateral direita é excepcionalmente representada e expõe saliências ósseas de difícil representação como o arco zigomático, o processo estilóideo, o processo mastóideo, bem como algumas suturas.

Em 1590, El Greco ilustrou Maria Madalena envolta em uma longa túnica vermelha que fixa um crânio humano posicionado numa pedra, enquanto coloca sua mão direita no tórax em busca de penitência. Ao fundo, o filho de Deus crucificado com um céu carregado.

Maria Madalena também está com a mão direita em seu tórax na pintura de Guido Reni (1635). Trajando vestes finais, olha para o céu e posiciona uma cruz na parte superior de um crânio bem detalhado.

Curiosamente, acredita-se que o crânio de Maria Madalena (bem como seus demais ossos) esteja exposto numa gruta na cidade francesa de Saint-Maximin-la-Sainte-Baume…

Referência:

BARRETO, Andre Assi. “A Beleza Como Valor Universal”. Revista Filosofia Ciência&Vida, São Paulo, ano VII, n°73, p. 24-31, agosto, 2012.

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