Principais lesões dos nervos cranianos

Vinicius A. M. Silveira¹ & Maria Tallitha M. da Silva¹

1Acadêmicos em Fisioterapia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, monitores de Anatomia Humana da área V.

Para se compreender com clareza como nosso corpo é profundamente afetado pelas lesões dos nervos cranianos, deve-se ter conhecimento das funções desses nervos, bem como de seu local de origem e estruturas inervadas por eles. De forma geral, os nervos cranianos se classificam em 12 pares, dos quais 10 apresentam origem no tronco encefálico; e 2 tendo origem no telencéfalo e diencéfalo (Fig 1).

Fig 1. Nervos cranianos. Fonte: MOORE, Anatomia orientada para a clínica, 2017.

A numeração de cada nervo segue a sequência craniocaudal, enquanto seus nomes fazem jus à(s) sua(s) função(ões). O leitor pode buscar informações sobre as funções dos nervos cranianos aqui e Tabela 1 abaixo para, então, melhor compreender as principais lesões dos 12 pares de nervos.

Tabela 1. Visão geral do trajeto, divisão e funções dos nervos cranianos. Fonte: autoria própria.

A literatura aponta que grande parte das lesões dos nervos cranianos são decorrentes de fraturas na base do crânio, as quais podem direcionar à rupturas ou contusão de fibras nervosas, paralisia causada por traumatismo, compressão por tumor, entre outras disfunções. Como foi explicitado anteriormente, a localização da lesão é de extrema importância no diagnóstico das eventuais perdas sensitivas / motoras; e isso implica no estudo da causa aparente e conhecimento prévio das funções exercidas pelos 12 pares de nervos cranianos.

Lesão do n. olfatório (I par)

As causas mais comuns são: fratura da base do crânio, rinorreia liquórica (perda do líquor pelo nariz), tumor no lobo frontal e tumor nas meninges. A perda do sentido olfativo está relacionada à doenças respiratórias (pela inflamação da mucosa nasal) e lesões em qualquer parte do trajeto do nervo. Entretanto, o envelhecimento também pode levar à perda de fibras sensitivas do nervo, diminuindo o número de receptores neuronais do epitélio olfativo da cavidade nasal e, consequentemente, provocando uma deficiência funcional.

A perda funcional pode ser unilateral ou bilateral, a depender do local da fratura – lesão em seu trajeto englobando a região olfatória, a passagem pela lâmina cribriforme, as fibras nervosas, o bulbo olfatório ou o trato olfatório vão auxiliar na identificação de qual lado pode ter sido afetado. Além disso, a anosmia (perda de olfato), parosmia (alterações do odor) e a cacosmia (percepção alterada por odor desagradável) são exemplos de alterações funcionais no I par. Vale salientar que a anosmia e hiposmia (alterações no olfato) podem anteceder os sintomas da doença de Parkinson e outras doenças degenerativas.

Também convém citar que lesões no lobo temporal do hemisfério cerebral podem provocar “alucinações olfatórias” devido ao estresse ou inflamação desse lobo, potencializando epilepsias que se caracterizam pela percepção de odores desagradáveis e movimentos involuntários dos lábios e da língua.

Lesão do n. óptico (II par)

A esclerose múltipla pode ser um agente na deficiência funcional do nervo óptico. Por seu caráter desmielinizante, a doença afeta diretamente o sistema nervoso central, comprometendo a passagem de informação pelas fibras nervosas e, consequentemente, seu funcionamento. Soma-se a isso a interferência do acidente vascular encefálico isquêmico ou hemorrágico, traumatismos cranianos e tumores (processos expansivos). Assim, estas enfermidades podem comprometer o funcionamento do II par, dependendo do local afetado.

Agentes tóxicos, degenerativos, inflamatórios e desmielinizantes podem causar perda na acuidade visual (distinção de detalhes especiais – forma e contorno de objetos), que resulta na neurite óptica (inflamação do nervo). Os defeitos relacionados ao campo visual estão intimamente ligados ao local de lesão da via óptica, de acordo com a seguinte classificação:

  • Secção completa do nervo: cegueira nos campos visuais temporal e nasal do olho ipsilateral, pois a lesão ocorre antes do quiasma óptico;
  • Secção completa do quiasma óptico: reduz a visão periférica e perda de visão de metade do campo visual dos dois olhos;
  • Secção transversa completa do trato óptico: perda de uma das metades do campo visual do olho contralateral e outra do campo ipsilateral. Comum em pacientes acometidos por Acidente Vascular Cerebral.

Tumores na hipófise, gliomas do nervo óptico ou aneurismas saculares das artérias carótidas internas também podem provocar perdas visuais.

Classificação de lesões da via óptica. Fonte: MOORE, Anatomia orientada para a clínica, 2017.

Lesão do n. óculomotor (III par)

As causas mais comuns de lesões relacionadas ao III par são:  compressão do nervo devido ao aumento da pressão intracraniana (possivelmente causado por um hematoma extradural), dilatação das artérias carótida interna e comunicante posterior, fratura ou infecções envolvendo o seio cavernoso, aneurisma na artéria cerebral posterior ou na artéria cerebelar superior, doenças desmielinizantes e acidentes vasculares mesencefálicos.

Os sintomas relativos às lesões do óculomotor são denominados oftalmoplegia: ptose palpebral (queda da pálpebra superior) (Fig 4), dilatação pupilar (midríase) (Fig 5),com o olho girando para baixo e para fora e reflexo pupilar ausente no lado da lesão. Alguns testes são realizados com o intuito de se verificar o funcionamento do nervo óculomotor a partir da observação do reflexo fotomotor (luz sobre o olho causa miose) e o reflexo consensual (estimulação de um olho para se observar o reflexo no olho contralateral). Nas patologias referentes a lesão do nervo, tais reflexos costumam apresentar-se ausentes.

Lesão do n. troclear (IV par)

Lesões no nervo troclear ou no seu núcleo provocam paralisia do músculo oblíquo superior e afetam a rotação inferomedial do bulbo do olho ipsilateral. Processos isquêmicos ou hemorrágicos dos pedúnculos cerebrais podem lesionar o nervo e um sinal de acometimento é a diplopia (visão dupla) (Fig 6) ao direcionar o olhar para baixo, causando dificuldade diárias para o indivíduo como descer escadas.

Lesão do n. trigêmeo (V par)

As causas relacionadas à lesões do trigêmeo são: traumatismos cranianos, traumatismos dentários, tumores, aneurismas e infecções meníngeas, polineuropatia generalizada, destruição dos núcleos motores e sensitivos da ponte e do bulbo (devido a tumores intrabulbares ou lesões vasculares) e esclerose múltipla.

Lesões do V par podem acarretar a paralisia dos músculos da mastigação com desvio da mandíbula para o lado lesado, ausência da capacidade de perceber sensações suaves táteis, térmicas ou dolorosas na face e perda do reflexo córneo-palpebral e do reflexo de espirro.

A principal doença que afeta a raiz sensitiva do nervo trigêmeo é a neuralgia do trigêmeo (Fig 8), a qual provoca dor episódica e exorbitante, normalmente relacionada às áreas que são supridas pelos ramos maxilar e / ou mandibular desse nervo. Além disso, destaca-se o reflexo mentoniano que consiste em aplicar um estímulo mecânico-sensitivo na região do mento, o qual provoca o fechamento da boca com a ativação dos músculos da mastigação. Trata-se de um teste cujo intuito é mensurar funcionalmente os ramos desse nervo, visto que engloba músculos que são inervados por ele. Soma-se a isso a sua utilidade anestésica nos procedimentos cirúrgicos odontológicos, nos quais são inseridas substâncias nos ramos nervosos dos dentes com o objetivo de atingir os ramos terminais e provocar o bloqueio de inervação a determinada área.

Fig 8. Distribuição de dor na neuralgia do trigêmeo.

Lesão do n. abducente (VI par)

O nervo abducente pode ser lesionado durante seu caminho intradural devido ao aumento da pressão intracraniana. Também pode sofrer uma lesão expansiva em decorrência de um tumor encefálico, o qual pode comprimir o nervo e ocasionar a paralisia do músculo reto lateral do olho. A lesão completa do nervo abducente causa desvio medial do olho lesado (estrabismo convergente) (Fig 9). Portanto, a  abdução  do olho será prejudicada. Um sintoma comum relacionado à lesão do VI par é a diplopia, a qual ocorre em toda extensão de movimento do bulbo do olho (exceto se a pessoa olhar para o lado oposto da lesão).

Lesões no nervo abducente também podem ocorrer devido a um aneurisma na base do encéfalo, compressão do nervo pela artéria carótida interna aterosclerótica no seio cavernoso (íntima relação entre a artéria carótida interna e o nervo abducente), entre outras.

Fig 9. Estrabismo convergente.

Lesão do n. facial (VII par)

O acometimento do nervo facial causa paresia ou plegia dos músculos da mímica. As lesões relacionadas a esses músculos podem ser: central (paresia ou paralisia da parte inferior da hemiface contralateral à lesão) ou periférica (paresia ou paralisia de toda a hemiface homolateral à lesão).  A lesão neste nervo pode provocar  perda do paladar nos ⅔ anteriores da língua e / ou alteração na secreção das glândulas lacrimais e salivares (parótida, sublingual e submandibular), ausência do reflexo córneo-palpebral, incapacidade do fechamento da pálpebra e sensibilidade auditiva aumentada (hiperacusia).

O nível da lesão atinge funções variadas: caso mais próxima da origem, a perda motora, autônoma e do paladar são mais prováveis. Caso mais distal, o mais observado é a paralisia facial. Inflamações virais podem interferir, comprimindo o nervo, com destaque para a neurite viral a qual provoca um edema na região do canal facial e dificulta a passagem pelo forame estilomastóideo.

A paralisia mais comum é a Paralisia de Bell (Figs. 10 e 11) que se descreve como uma fraqueza súbita, de início imediato, nos músculos de um lado da face. É importante destacar a diversidade de fatores que resultam na lesão do nervo facial: ferimentos por arma branca (atingindo as raízes mais superficiais), edemas, tumores no encéfalo, vírus da herpes, entre outros.

Lesão do n. vestibulococlear (VIII par)

Lesões nos nervos vestibular e coclear podem provocar nistagmo (movimentos involuntários dos olhos em todas as direções), síndrome vertiginosa, tontura, desequilíbrio  e perda parcial / completa da audição, de tal forma que os efeitos do trauma podem ocorrer concomitantemente ou separados. As perdas resultantes comuns são: a surdez (doença na cóclea ou via afetada) e o neuroma acústico (tumor benigno de células do neuronema que resulta na perda auditiva).

Lesão do n. glossofaríngeo (IX par)

Pode afetar o paladar do ⅓ posterior da língua, o reflexo do vômito no lado lesionado, perda ou redução do reflexo de engasgo e alteração na percepção da deglutição. Geralmente, esse nervo não é acometido isoladamente, sofre interferência de tumores ou infecções. Destaca-se a lesão do forame jugular, local por onde transita diversos nervos cranianos e causa deficiência funcional em várias áreas anatômicas. A disfunção mais comum é a neuralgia do glossofaríngeo, provocando dor quando o indivíduo se alimenta ou ao se estimular determinadas áreas, sua causa ainda é desconhecida.

Lesão do n. vago (X par)

Lesões no nervo vago ocasionam mais comumente paresias e paralisias dos músculos faríngeos e laríngeos.  Os sintomas mais comuns observados em lesões deste nervo são: a disfonia (dificuldade para falar e rouquidão), afonia (perda da voz), disfagia (dificuldade para deglutir), queda do palato mole do lado afetado e desvio da úvula para o lado oposto da lesão, ausência do reflexo de vômito e estridor respiratório. As lesões no V par podem ocorrer devido a aneurismas no arco aórtico; durante cirurgias do pescoço; câncer da laringe e tireoide; lesão relativa à cirurgia de tireoide, pescoço, esôfago, coração e pulmão; acidentes vasculares; tumores da fossa posterior e lesões que atingem o  forame jugular.

Lesão do n. acessório (XI par)

As lesões mais comuns no nervo acessório ocorrem geralmente em procedimentos cirúrgicos (iatrogênicas): biópsia de linfonodos, canulação da veia jugular interna e endarterectomia da carótida entre outros. Além disso, a poliomielite e polineurite são agentes de alteração funcional do nervo. O seu acometimento leva ao prejuízo funcional dos músculos esternocleidomastóideo e trapézio (Fig. 12), que são essenciais na movimentação do pescoço / cabeça e movimentação da escápula / pescoço, respectivamente.

Fig 12. Síndrome do ombro caído (paralisia do trapézio e de outros músculos).

Lesão do n. hipoglosso (XII par)

Siringomielia, poliomielite, processos expansivos e traumatismo da base do crânio, esclerose lateral amiotrófica, paralisia pseudobulbar, entre outros, são exemplos de doenças que acometem o funcionamento do nervo hipoglosso.

Ao se analisar a função do XII par de nervos cranianos, nota-se que o acometimento dos músculos inervados provoca paralisia na metade ipsilateral da língua (Fig. 13), causando disfunção motora, na qual pode influenciar significativamente na alimentação e fonação do indivíduo. Em lesão, na protrusão da língua, o ápice se desvia para o lado paralisado devido a não oposição do músculo genioglosso.

Fig 13. Desvio da língua por paralisia do nervo hipoglosso.

Paralisia múltipla dos nervos cranianos

Como mencionado anteriormente, o local da lesão é de extrema importância no diagnóstico correto das sequelas. Nessa perspectiva, determinadas doenças podem afetar vários nervos a depender do grau expansivo e localização da enfermidade. Destaca-se:  meningite tuberculosa, a carcinomatose de meninges, os linfomas, as infecções por Mycoplasma, a síndrome de Tolosa-Hunt e a mononucleose infecciosa.

Alguns nervos podem se encontrar próximos de outras regiões afetadas e lesões em áreas distintas como tronco encefálico, diencéfalo e telencéfalo podem impactar significativamente a funcionalidade do nervo.

Considerações finais

A observação de patologias que causam prejuízos funcionais diversos tende a facilitar a compreensão da estrutura, trajeto e função dos nervos cranianos. A anatomia clínica pode ser uma importante ferramenta para que o aluno associe o estudo anatômico tradicional às aplicações clínicas diversas .

Referências

MACHADO, A.; MACHADO, L.H. Neuroanatomia Funcional: 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Atheneu, 2013

MENESES, M.S. Neuroanatomia Aplicada: 3. ed. Editora Guanabara, 2011.

MOORE, K.L.; DALLEY, A.F.; AGUR, A.M.R. Anatomia orientada para a clínica: 7. ed. Editora Guanabara Saúde Didático, 2014.

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