
Dr Paulo Roberto Ferreira Louzada Junior (Neurocirurgião / Anatomia – UFRJ)
Em fins dos anos 90 eu era um simples estudante de medicina, inexperiente, inseguro, taciturno e tentando apenas concluir o internato em clínica médica.
Num daqueles dias resolvi assistir a apresentação de um caso clínico por um residente de clínica médica. Lá pelas tantas o tal residente, para reforçar sua tese diagnostica, cita um artigo médico-científico, um chamado “guideline” sei lá das quantas (citar guidelines de absolutamente qualquer abobrinha era a maior “onda” entre internos e residentes do HU-UFRJ). Logo após a fala do apresentador, um renomado professor, medalhão da cardiologia do Rio, e que estava na primeira fila do auditório, pede a palavra e comenta: “Não sei quanto a vocês, mas eu tenho muita dificuldade em avaliar se esses estudos clínicos são confiáveis ou não”…
Parceiro, aquilo me deu um puta alívio. Poxa, eu não era o único que não sabia avaliar aqueles troços! E mais, o pica-grossa da cardiologia da UFRJ também não sabia. Na época eu não percebi o quão perigoso era aquilo… Sim, perigoso, porque se não sabemos analisar criticamente nossas fontes de informação médica, tornamo-nos reféns dos escrúpulos editoriais das chamadas revistas científicas de alto impacto. Passamos a dizer mecanicamente blá-blá-blá foi publicado na New England, ou tró-ló-ló foi publicado no JAMA, e fica por isso mesmo. Ninguém questiona. Porque fomos ensinados a confiar cegamente nesses periódicos e a repetí-los como papagaios-de-estetoscópico- com-um-ar-pseudo-científico.
Mas o problema de ser um médico idiota é que quem se f… é o paciente!
Claro que esse preâmbulo todo é pra falar do enorme estelionato científico protagonizado pelo periódico britânico The Lancet. O artigo da revista, publicado há 1 semana e pouco, foi alardeado do Oiapoque ao Chuí como o mais “robusto” estudo utilizando cloroquina e seu derivado em pacientes com COVID 19, com mais de 90 mil pacientes em mais de 600 instituições em 6 continentes.
Os anti-cloroquinistas curtiram o artigo! Os anti-bolsonaristas mais ainda!
O tratamento com cloroquina já vinha sendo bombardeado pela mídia leiga no Brasil e por médicos bem conhecidos. Um dos quais, infectado por COVID, chegou a dizer que quando lhe foi oferecido cloroquina no hospital este teria dito, do alto de seus 3 metros de soberba, “você me respeite!” E não satisfeito, ainda disse que “os médicos não conhecem o processo de pesquisa clínica”… Que vergonha pra nós, médicos comuns, ordinários, não?! Esse doutor foi alçado ao status de “um dos maiores infectologistas do Brasil” pelo Jornal O Globo.
Quando o artigo de Mehra e cols (2020) da Lancet foi publicado, parecia ser a pá-de-cal na cloroquina. O estudo além de elencar uma casuística de números maiúsculos chegava à conclusão que não só a cloroquina era inútil pra COVID, como também aumentava a mortalidade! Putz… R.I.P. cloroquina então, né?!
A Globonews tratou logo de botar uma entrevista com o ex-ministro Teich pra ser “jantado” ao vivo. Mas até que o ex-ministro foi bem. Disse que a orientação de uso da cloroquina deveria ser revista. Ponto.
A parte ridícula do programa sacana da Globonews foi o desdobrar da entrevista, em que a emissora apresenta um neurobiologista (que se diz médico, mas não trata pacientes, é um cientista) e uma microbiologista profa. da USP (com míseros 4 artigos publicados na vida – informações do CV Lattes dela) como supostas autoridades em cloroquina e COVID… ambos elevando o paper da Lancet aos píncaros da confiabilidade científica.
Para você leitor que teve paciência de ler até aqui, vou fazer uma comparação: esses dois supracitados falarem sobre cloroquina e estudo clínico é mais ou menos como o Fábio Assunção falar sobre vida saudável… Poxa, não dá nem pra saída! Os dois não têm conhecimentos elementares nem experiência clínica pra falarem disso!
Como o tempo é sempre o senhor da verdade, alguns dias depois da publicação vieram as críticas ao artigo da Lancet. Metodologia ruim, falta de controles adequados, escolha de pacientes por um software (de propriedade / patente de um dos autores), o estudo era retrospectivo e não ensaio clínico, etc.
As críticas engrossaram e, finalmente hoje o jogo virou! A Lancet retratou-se e “despublicou” o artigo “por incapacidade de acessar e auditar os dados brutos dos pacientes”.
Eu poderia até dar aos autores do artigo o benefício da dúvida, achando que eles foram só afoitos, querendo se esgueirar nas veredas científico-editoriais pra publicar “à jato”… sei não, viu… Todos os autores da Harvard Medical School… nenhum bobinho ali! Além disso, não é a primeira m… feia que a Lancet faz.
Nos anos 90 a mesma revista publicou um trabalho questionável que associava a vacina tríplice à maior incidência de autismo. A Lancet demorou 12 anos para se retratar pelo erro colossal. Mas aí já era tarde. Os debiloides anti-vacina já tinham se organizado no mundo todo, botando as nossas crianças em risco. Pelo menos dessa vez foram mais rápidos em reconhecer o erro grotesco.
Há alguns anos a mesma Lancet, possivelmente enviesada por interesses dos seguros-saúde, publicou um trabalho denegrindo a técnica de vertebroplastia pra fraturas de coluna. Hoje a vertebroplastia consta inclusive no rol de procedimentos autorizados pela ANS / Brasil.
O que me chama atenção não são os interesses escusos desses grupos editoriais. O que me deixa indignado foi o silêncio ensurdecedor de maior parte da comunidade médica brasileira. Inclusive do tal “maior infectologista do Brasil” (titulado pela Globo), que até onde eu sei não criticou o paper da Lancet (eu procurei alguma crítica dele no Google e não achei). Será que ele também não conhece o processo de pesquisa clínica? Será que ele já ouviu falar na curva de Dunning-Kruger?
Para ser honesto a única coisa que me deixou desconfiado no artigo foi o fato de terem encontrado índices de mortalidade maior com a cloroquina!!! Isso não fazia sentido. Não vemos isso aqui no dia-a-dia. Sempre achei que em doses baixas, por curto prazo, em fases iniciais da doença, e em não cardiopatas, a cloroquina seria uma opção boa e baratíssima. Em outras palavras se não faz tanto bem, mal não faz. Além disso, a medicação é comprada sem receita desde sempre e usada quase que “ad libitum” por pacientes com lúpus e artrite reumatoide. Enquanto não tivermos certeza se funciona ou não, e desde que não prejudique, no meio de uma pandemia com gente morrendo adoidado, por mim pode dar até chá de boldo!
Para finalizar, a dúvida a respeito da eficácia da cloroquina e derivados persiste. Hoje a OMS anunciou que vai retomar os ensaios com a cloroquina. Sim a OMS, que desde o início da pandemia muda de opinião como eu mudo de namorada!
Resta a nós, a mim, o aprendizado: Não confiar cegamente em nenhum periódico científico por mais conceituado que seja. Aliás, não confiar cegamente em nenhuma publicação, nem na Playboy, depois daquela da Cláudia Ohana… Deus me livre!
A indústria do COVID foi feita para crápulas se tornarem mais ricos, os globalistas derrubarem com não segue o politicamente correto e o povo que morra, para eles são apenas gados que são confinados e depois soltos.
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Excelente análise. Parabéns. Sugestão para o autor é o livro Medicamentos Mortais e Crime Organizado de Peter Gotzsche (um dos fundadores da Colaboração Cochrane). Nele entendemos como os periódicos mesmo os mais “confiáveis” (JAMA, New England, Lancet, etc) são comprados. Não sei até hoje como não “suicidaram” o autor e ele continua vivo. Gostaria eu de ter escrito todo o texto (especialmente a parte em que a OMS muda de opinião como o autor muda de namorada). Brincadeiras à parte. Parabéns e o Sr. deveria expressar suas opiniões mais frequentemente.
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Prezado Marco, receber um comentário tão assertivo e lúcido nesta humilde plataforma é muito gratificante. Agradeço também a sugestão de leitura, a qual já se encontra na lista de desejos. Transmitirei com alegria sua mensagem ao Prof Paulo!
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Muito bom o conteúdo do texto. Deveria ser dado maior publicidade!!!
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Arrogância é o que não falta na fala deste senhor médico que cita o nome de Fabio Assunção de maneira pejorativa.
Que tipo de médico é você?
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Prezada Neci, o que realmente lhe incomoda no texto sobre fraude e ciência do autor se resume à menção do comportamento reprovável do artista? Que tipo de leitora é você?
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Muito bom o seu texto… todo cuidado é pouco na posição que estamos de médicos. Infelizmente alguns colegas acabam por se contaminar com o jogo dos políticos e fecham os olhos para o que realmente importam que são os nossos pacientes.
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Muito pertinente as colocações, nos comentário. Concordo plenamente com tudo. Parabéns pela perfeita explanação!
Há muitos anos,desde que assisti o filme
“O FUGITIVO”, coloco sempre a mesma pergunta após essas publicações: É CONFIÁVEL? Foi a que fiz a vários colegas. Eu
Não pude acreditar, pra mim não encaixava, como para muitos outros, que fizeram várias análises críticas do desenvolvimento da pesquisa. Graças a Deus que passada essa fase, novos rumos serão trilhados, novas pesquisas serão concluídas.
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Ótimo texto, penso que uma boa forma de deixarmos de ser papagaios com estetoscópio é adquirir um bom conhecimento sobre desenhos e arquiteturas dos estudos científicos o que melhorará nosso percepção sobre viés, metodologia, impacto e implicações reais na prática clínica, no entanto discordo um pouco do “pode dar até chá de boldo” afinal de contas passamos 2300 anos crendo em humores, miasmas, sangue sugas, e quando muito, ópio e quinino, momento este em que a linha entre o curandeirismo, xamanismo e o exercício da “medicina” era quase inexistente. Fico temeroso que o uso da cloroquina embasado em prática sem comprovação e garantia de efeito, nos faça regredir ao momento em que o título da revista em questão era o principal e talvez único método de “tratamento” possível.
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Prezado Roberto, excelente comentário!
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Que há uma indústria da doença, isso não é novidade.
Porém o texto acima, é mais uma propaganda bozoista, pra vender a cloroquina que o energúmeno mandou fabricar toneladas.
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Parabéns ao autor deste rico texto, assunto de extrema import^ancia na atualidade, e à opinião oportuna de Marcoadbrunommb quando fala de ‘periódicos comprados’ e ‘crime organizado’. Hoje, quem não tem opinião própria eh escravo do Sistema. Resumindo: temos seres ocultos que querem se perpetuar no governo de nosso Planeta, e estes ateh matam para conseguir o que querem. Somos escravos da mídia se n~ao temos conhecimento próprio.
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