Anatomia & Filosofia: DOCÊNCIA E CRISTIANISMO

Dr. Antonio Nunes Barbosa Filho (Escola de Engenharia de Pernambuco – UFPE)

É senso comum que a Igreja Católica teve papel fundamental no desenvolvimento do ensino e na formação de gerações de brasileiros durante séculos. E tal se deu não apenas em nossa nação, mas, em especial, nos países em esta teve uma presença mais marcante. Até os dias atuais, escolas mantidas por ordens ou com vínculos aos valores cristãos, seja no ensino básico ou mesmo no ensino superior, costumam ter destaque e são valorizadas pela comunidade em que estão inseridas, em razão da excelência de sua atuação.

Em um rápido passeio histórico, nos transportamos para a cidade de Bolonha, Itália, onde, nos idos de 1158, remonta a fundação da instituição Universidade tal como hoje a conhecemos. Relatos indicam a presença de cerca de 10 mil estudantes em seus domínios, oriundos das mais distintas terras – italianos, normandos, ingleses, provençais, catalães etc. – que, sob a convivência harmoniosa do latim, conjugavam esforços comuns para o desenvolvimento pessoal e da humanidade. Por todo o mundo, diversos são os exemplos de escolas surgidas e mantidas pela Igreja, algumas alcançando até os dias atuais. A tradição do ensino é inafastável dos destinos e ações da Igreja. Em muitas localidades de muitos países, estas escolas foram e ainda são a única forma de acesso regular ao ensino para parte da população. Na França do século XII há registros de, pelo menos, 70 abadias que mantinham escolas em suas instalações e que custeavam todas as suas despesas. Muitas destas eram episcopais. Várias terminaram por se transformar em Universidades, tais como Oxford, Cambridge, Sorbonne, Chartres, Montpellier, Vallaidolid, Compostela, Salerno e a própria Bolonha.

Universidades mais antigas da Europa

A despeito dos interesses organizacionais que levaram a Igreja a se dedicar a este ofício, como a difusão dos preceitos cristãos e para a formação de uma cultura cristã local, tal como acontecido nos primórdios de nosso país, período em que se destaca a presença de São José de Anchieta, apóstolo do ensino nacional, autor da primeira gramática do Tupi, então língua dominante em nosso vasto território, feito jamais igualado, trago à reflexão alguns pontos acerca das qualidades cristãs que entendo serem devidas a presença naqueles de quem se espera ser um bom docente e que, talvez, justamente o afastamento dessas características pelos docentes das últimas gerações tenha sido um dos fatores contribuintes para o declínio da qualidade do ensino em nosso país.

Em outros textos, já coloquei que sou a terceira geração de uma família de docentes. Mais além do DNA que nos une, há valores que nos moldaram e nos conduzem ao longo dos muitos anos dedicados à função de ensinar. Neste sentido, vejamos as correlações que estabeleço entre atributos cristãos e a docência, conforme a seguir.

  1. O docente cristão tem compromisso com o real desenvolvimento do aluno, conforme proposição de aquisição de competências e apropriação de conteúdo para a série ou disciplina lecionada, colocando-o no centro de seus esforços e estímulos, pois bem sabe da importância do aprendizado provido e de sua contribuição para os destinos de vida de seus alunos. Ou seja, atua desprovido de vaidade ou egocentrismo, pois sabe ser apenas instrumento para o desenvolvimento do outro;
  2. De outro lado, é também dedicado ao seu próprio desenvolvimento. Tem o estudo como a busca incessante pela verdade, para o crescimento espiritual, fundamento para o avançar da ciência, uma vez que reconhece suas próprias limitações, em face do inato e incessante impulso que resulta no compromisso pessoal de ser um docente melhor, para cumprir fielmente o ofício que abraça como missão de vida;
  3. Deve ser paciente, pois reconhecendo suas próprias limitações, há de reconhecer as limitações dos discentes e envidar os melhores esforços para que estas últimas sejam superadas, em especial porque estas podem estar associadas ou ser decorrentes daquelas;
  4. É verdadeiramente desinteressado, pois sente mais prazer por sua obra do que pelos benefícios, de qualquer natureza ou grandeza, que esta possa lhe proporcionar. E isto não quer dizer que abra mão de condições dignas para o exercício de seu mister e para o sustento de sua família;
  5. Por fim, o docente cristão sabe que é um semeador. Que por seu exemplo atrai e conduz novos talentos para tão bela missão social, faz brotar sementes onde parecia haver aridez e potencial ausência de boa colheita.

Será que estes princípios, quando firmemente arraigados no pensar e no agir de um docente, não lhe fornecerão um bom suporte para que seja um docente melhor? Creio que sim. E afastar-se destes, a que caminho ou condição conduzirá?

Ao longo dos últimos anos, embora ainda existam inúmeros colégios ditos seculares ou de orientação religiosa, diversos são os relatos de empreendimentos que fecharam suas portas, seja por dificuldades de natureza econômica ou de gestão, seja pela mudança da dinâmica das cidades para eixos distantes de onde estes se localizavam, em geral nos bairros centrais ou mais tradicionais das cidades, sobretudo naquelas de fundação mais longínqua. Talvez o afastamento da visão empresarial tenha contribuído para o encerramento das atividades de alguns destes. De outro lado, há também notícias do surgimento de novas escolas com este perfil, na iniciativa privada, não mais associadas às filiações religiosas outrora dominantes (maristas, salesianos, arquidiocesanos, jesuítas entre outras mais), entretanto, em sua condução, ajustadas aos valores cristãos, sob distintas designações. Tomara estas sejam um sopro de retomada de exitosa formação de jovens para o futuro que desejamos ao nosso país, assim como celeiro para o surgimento de “Escolas de docentes”, que possam cumprir satisfatoriamente o seu importante papel desde as séries iniciais até os bancos universitários. Pensemos nisto!

1 comment

  1. Excelente artigo, como sempre. Motivações para o retorno às aulas. Escolas religiosas fazem parte da história e trazem a visão do ser humano no contexto social, diminuindo, em alguns casos, a competitividade estimulada em nossos jovens e dando lugar à cooperação entre os colegas.

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