
O estudo da fáscia e suas repercussões clínicas têm sofrido uma verdadeira revolução nos dias de hoje. Talvez isso tenha ocorrido devido à dificuldade de estudos pregressos em cadáveres, nos quais o “formol” certamente prejudica os tecido conjuntivos. De qualquer maneira, os estudos relacionados à fáscia têm crescido de forma exponencial nos últimos anos. Se for realizada uma busca no “Pubmed”, perceber-se-á um aumento na ordem de 20 vezes na quantidade de assuntos sobre o tema somente na última década!
De 3 em 3 anos, o principal congresso mundial de fáscia ocorre com o intuito de prover a discussão das pesquisas e a padronização dos conceitos sobre o tema. Em novembro de 2018, ocorrerá o V Congresso Mundial de Fáscia em Berlim (GER), organizado pela Sociedade Mundial de Pesquisa em Fáscia.
O conceito do Comitê de nomenclatura facial, fundado pela Sociedade Mundial de Pesquisa em Fáscia, definiu no último congresso em 2015 que:
“Sistema fascial consiste no contínuo tridimensional de tecidos conectivos moles, contendo colágeno, frouxos e densos que permeiam o corpo. Ele incorpora elementos como tecido adiposo, adventícia e bainhas neurovasculares, aponeuroses, fáscias profundas e superficiais, epineuro, cápsulas articulares, ligamentos, membranas, meninges, expansões miofasciais, periósteas, retináculos, septos, tendões, fáscias viscerais, todas as artérias intramusculares e intramusculares, além de tecidos conjuntivos intermusculares incluindo endo/peri/epimísio. O sistema fascial interpenetra e envolve todos os órgãos, músculos, ossos e fibras nervosas, dotando o corpo de uma estrutura funcional e proporcionando um ambiente que permite que todos os sistemas do corpo operem de maneira integrada”.
Porém, em março de 2018, estudiosos de Crezo, Itália, (Bordoni e colegas), propuseram uma definição ainda mais abrangente do conceito de fáscia, levando em conta sua funcionalidade. Mesmo com a origem embrionária diferente, os autores propuseram a inclusão da epiderme como parte do tecido fascial:
“A fáscia é qualquer tecido que contenha características capazes de responder a estímulos mecânicos. O contínuo fascial é o resultado da evolução da perfeita sinergia entre os diferentes tecidos, capaz de apoiar, dividir, penetrar e conectar todos os sistemas do corpo, desde a epiderme até o osso, envolvendo todas as funções e estruturas orgânicas. O contínuo transmite constantemente e recebe informações mecanometabólicas que podem influenciar a forma e a função de todo o corpo. Esses impulsos aferentes / eferentes provêm da fáscia e dos tecidos que não são considerados parte da fáscia em modo biunívoco”.
As estruturadas fasciais relacionadas à postura e ao movimento são a fáscia epimisal e a fáscia profunda. A fáscia epimisal é formada pelo tecido conjuntivo que penetra no interior do tecido muscular, organizando e transmitindo a força sobre o mesmo. É formado pelo epimísio, que envolve todo o músculo; o perimísio que envolvem os fascículos; e o endomísio, envolvendo cada fibra muscular (Purslow et al., 2010).
O fuso muscular se encontra no perimísio e não no tecido muscular. Os músculos profundos tem mais perimísio que os músculos superficiais (van der Walls, 2009). Os receptores neurais com potencial de levar informação de dor para as áreas superiores, “terminações nervosas livres”, não se encontram no tecido muscular e sim no tecido epimisal (Haytham Elogayli et al., 2018). Apresenta cerca de 15% de elastina na sua composição, se adaptando melhor às variações de volume do músculo.
Já a fáscia profunda envolve e coordena grupos musculares (Tutassus et al., 2015). No tronco elas se fundem com a fáscia epimisal dos músculos, mantendo as fibras de colágeno no sentido dos músculos, em um padrão de comportamento em série. Nos membros ela se separa da fáscia epimisal por uma camada de tecido conjuntivo frouxo, em uma disposição em paralelo (Stecco et al., 2015). Nos membros elas se dispõem em três subcamadas e nos membros em duas subcamadas. As fibras de colágeno apresentam uma disposição de 78 graus, apresentando cerca de menos de 1% de elastina na sua constituição, não apresentando tanta capacidade elástica, porém aumentando sua capacidade de transmissão de tensão (Findley, 2015).
Ainda estamos engatinhando nas pesquisas, porém, os estudos mais recentes demonstram que o tecido fascial vai muito além do “miofascial”. Ele envolve os músculos, organizando e transmitindo a tensão por todo o corpo (fáscia epimisal), por meio do epimísio, perimísio e endomísio ( Huijing et al., 2013). A fáscia também é contínua com os tendões, cápsulas articulares e ligamentos, possibilitando o controle e a coordenação da função de movimento e postura (Chaitow, 2016). Estudos anatômicos evidenciaram que parte dos tendões não tem inserção óssea e sim uma continuidade com a cadeia fascial; como ocorre com o tendão distal do bíceps – onde 40% não se insere na cabeça do rádio e sim no Lacertos Fibrosos que ajuda a formar a Fáscia antebraquial anterior (Stecco et al., 2011).
Estudos atuais de posturologia mostram que o componente passivo de controle postural (tecido conjuntivo, não muscular, que permeia a articulação) é responsável por, pelo menos, 70 % do controle da postura estática (Loram et al., 2007). Com isso, tem-se uma economia de energia e a não participação constante Sistema Nervoso Central (SNC) no controle da mesma. Em 2017, Zavarella e colegas propuseram a teoria de controle neuromiofascial da postura, a qual está relacionada com as adaptações da fáscia (eferência) que controlam as pré-tensões de repouso. Isto se readapta dinamicamente em relação às exterocepções (comunicação com o mundo externo), interocepções (controle do meio interno) e propriocepção. Importante ressaltar que tal processo acontece dentro de uma esfera biopsicosocial. Interessantemente, há fortes evidências que indicam que grande parte do movimento parece ser controlado pela remodelagem constante da fáscia, onde ela se adapta constantemente alterando sua tensão, sem a participação do SNC, embora seja monitorada por ele (Turvey & Sérgio, 2014).
Assim, o conceito da engenharia vem para explicar o funcionamento desse sistema: a tensegridade é um modelo onde hastes fixas se estabilizam por cabos de tensão e formam um sistema estável sem contato direto entre as estruturas (Graham Scarr, 2014). Adaptado ao humano que possui emoções e vida social, por exemplo, dá-se o nome de biotensegridade. Toda a matriz extracelular (MEC) tem uma tensão própria, gerada principalmente por: fibroblastos, miofibroblastos, células de musculatura lisa na MEC e o fluxo do líquidos no corpo. Estudos com microscopia eletrônica evidenciaram que terminações nervosa do Sistema Nervoso Autônomo (SNA) simpático na MEC podem controlar as células musculares lisas e o fluxo dos líquidos (Staubesand, 1997). Tozzi (2016) cita a importância do fator de crescimento TGF B-1 como um dos controladores da tensão dos fibroblastos e miofibroblastos. Estas células têm poder de contração e estão ligados às fibras de colágeno, que chega ao núcleo pela suas conexões com as integrinas (proteínas da membrana celular). Isso estimula o núcleo celular e dita a forma como o DNA pode agir (Ingberg, 2011).
Esse sistema pode ser subdividido em camadas no nível macroscópico. Inicialmente tem-se a epiderme, seguido pela derme e subsequente hipoderme com a primeira camada de fáscia propriamente dita – a fáscia superficial. Esta encontra-se ligada à vasta rede linfática e às veias superficiais, tendo como função principal a nutrição e participação no sistema imunológico (Tozzi, 2015). Logo em seguida, tem-se a fáscia profunda envolvendo grupos musculares, organizados pelas fáscias epimisais (Tutasanus, 2015).
Porém, em nível microscópico, não apresenta divisões entre as camadas. As estruturas de colágenos se comportam em forma caótica, como poliedros, formando microváculos onde a estrutura se organiza em um padrão não-newtoniano (Guimberteau, 2013). Nesse nível o sistema obedece aos princípios das leis quânticas (Bordoni, 2017). Assim, é imperativo desenvolver-se ferramentas de avaliação e tratamento desse tecido em um padrão de acordo com a sua anatomia e característica.
A fáscia não envolve apenas os músculos. Ela envolve todos os órgãos, todos os nervos e todos os vasos do corpo (Paoletti, 2015). No SNC, essa estrutura se dispõe macroscopicamente nas três camadas que formam as meninges (duramáter, piamáter e aracnóide-máter). No nível periférico ela é contínua com todos os nervos do corpo, mudando-se apenas a nomenclatura: epineuro, perineuro e endoneuro. Já no nível visceral, a fáscia se dispõe em duas camadas: as fáscias parietais, mais externa e com característica de se conectarem às vísceras, com as próprias vísceras e com o esqueleto; e as fáscias viscerais – que funcionam como a roupa íntima dos órgãos, se relacionando diretamente com a função da própria víscera. A fáscia também forma a camada adventícia dos vasos sanguíneos do corpo.
Estudos recentes mostram que a fáscia é um órgão sensorial, onde carrega uma infinidade de receptores neurais relacionados à percepção tátil, proprioceptiva, temperatura, PH da MEC, cisalhamento, pressão e distensão (Schleip, 2017). Esses receptores enviam informações para as estruturas corticais e subcorticais onde se relacionam inclusive com a formação emocional (Craig, 2016). A fáscia apresenta, inclusive, uma memória emocional que é arquivada não somente no sistema límbico, mas por todo o corpo com a finalidade de aumentar a velocidade de resposta, aumentando consequentemente a chance de sobrevivência do indivíduo (Barral, 2017). Esse tecido parece apresentar grande relação com o SNA, pois apresentam vários receptores autonômicos no tecido fascial e nos vasos que transitam por ele (Tozzi, 2016).
Quando se vivenciam emoções positivas, ativa-se o lado esquerdo do córtex insular e também o hipotálamo esquerdo, o qual ativa o SNA parassimpático (Craig, 2016). Este promove um relaxamento de todas as fáscias de movimento (fáscia epimisal e fáscia profunda). Ao se vivenciar emoções negativas, ativa-se o córtex insular direito e, este ativa o hipotálamo direito, estimulando uma ação do SNA simpático com consequente aumento do tensionamento das fáscia de movimento (Craig, 2016).
Uma certeza é que o tecido fascial conecta todo o corpo e penetra para o interior do interstício através do tecido conjuntivo frouxo (Koechlin et al., 2018). Porém, novos estudos sobre esse complexo tecido são necessários a fim de aprimorar-se uma múltipla intervenção clínica sobre o mesmo.
Colunista convidado:
Dr. Leonardo Sette Vieira
Especialista em Ortopedia e Fisioterapia Esportiva- UFMG
Especialista em Osteopatia
Sócio Fundador da ABFáscias
Sensacional
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Agradecemos pelo interesse!
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Na bioenergética também estudamos sobre essas relações, e sendo eu fisioterapeuta, muita coisa fica clara ao ler seus relatos. Muito obrigada. Me aguarde o ano que vem estarei fazendo seu curso.
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Pode disponibilizar as referências ?
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Olá, obrigado pelo interesse. Você pode buscar as referências no site da ABfáscias ou juntamente com o autor.
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Fascinante
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