Uma visão biomédica sobre a morte física de Jesus.

A páscoa já passou e representou um momento singular para todos os cristãos. Jesus de Nazaré foi uma figura central na história da própria humanidade e, por meio de seu olhar e atenção aos doentes e necessitados, direcionou uma perspectiva humanista para a medicina moderna.

Os autores do artigo (veja abaixo) deixaram claro que as fontes empregadas foram baseadas não em um corpo ou em seus restos mortais, mas sim em escritos antigos e modernos de autores cristãos e não cristãos, assim como no Sudário de Turim; lembrando que a credibilidade dos relatos e escritos já fora confirmada por achados arqueológicos e por historiadores.

A última ceia ocorreu no dia 6 de abril e a crucificação no dia seguinte (dia 7 de abril). Encontrando-se no Jardim das Oliveiras e aparentemente sabendo que a hora de Sua morte chegaria em breve, Jesus começou a suar sangue. Este sintoma pode ser ocasionado por aspectos psicológicos e é conhecido por hematidrose, representando sangramento a partir das glândulas sudoríparas – o que torna a pele bastante fina e frágil.

A longa jornada de Jesus de cidade em cidade (por meio de extensas caminhadas e travessias de barco) para pregar e curar provavelmente Lhe tenha proporcionado um bom quadro de saúde até o momento da sua ida ao Jardim das Oliveiras. Contudo, num curto período de 12 h (entre 21:00 hs da quinta e 9:00 hs da sexta), Cristo sofre uma série de adversidades como agressões após julgamento, abandono por parte dos discípulos, grande estresse mental (comprovado pela hematidrose) e um longo percurso entre os locais de julgamento. Isso culminou em uma fragilidade aos efeitos hemodinâmicos da flagelação.

Luca-Signorelli-The-Flagellation

A prática de açoitamento era comum e antecedia toda execução romana, sendo apenas isentos mulheres, crianças, soldados ou senadores. O objeto utilizado era um chicote (flagelo) que continha em sua extremidade ossos de ovelha afiados, bolas de metal e, eventualmente, pedaços afiados de madeira. A vítima era posta em um poste vertical e amarrada pelas mãos e a severidade dos golpes dependia da disposição dos soldados (geralmente dois se revezavam na sequência de golpes).

O objetivo do método era fragilizar a vítima, pois a intensidade da flagelação determinava um menor tempo de crucificação. Os golpes atingiam principalmente a região dorsal e glútea e provocavam grandes consequências na vítima. As bolas de ferro provocavam contusões, já os ossos e a madeira causavam cortes que atingiam a pele e o tecido subcutâneo. Com o decorrer da flagelação, as feridas se agravavam e resultavam em lacerações que expunham o músculo esquelético em tiras de sangue. Antes de atingir o músculo, a fáscia era lesada. É válido respaldar que nessa região as fáscias, como a toracolombar, são bastante espessas.

O açoitamento de Jesus foi muito duro e cruel. Não se sabe se a quantidade de chicotadas foi a usual (algo em torno de 39) ou se os soldados romanos aumentaram seu número pelo fato de um “homem” naquela condição ousar se intitular o filho de Deus. O açoitamento não se restringia ao aspecto físico e possuía também um importante fator psicológico. Jesus recebeu um manto vermelho, um cetro de madeira e um coroa de espinhos (fixada por golpes com bastões). Com a hematidrose e consequente aumento de sensibilidade na pele, a agressão (física e mental), a privação de sono e comida, Jesus apresentava um estado crítico já antes da crucificação.

A crucificação foi criada pelos persas e expandida pelos egípcios e cartaginenses, mas foram os romanos que aperfeiçoaram a técnica tornando-a um método de tortura e morte eficaz. Usualmente uma cruz pesava mais de 136 kg , e o patíbulo que era carregado pela cidade até o local da crucificação pesava algo próximo de 36 kg. Ao chegar no local de crucificação, um drink de mirra e vinho era oferecido ao prisioneiro a fim de prestar-se como analgésico. Os braços e pernas podiam ser pregados ou amarrados na cruz, sendo que os braços eram colocados abertos e esticados enquanto que as coxas eram dispostas numa posição de semiflexão e rotação externa.

O tempo de crucificação poderia oscilar entre 3 a 4 dias, ou mesmo de 3 a 4 horas, e dependia da disposição dos soldados romanos que podiam acelerar esse processo com a prática do crucifrágio (fratura das pernas que impediria o suporte corporal e levaria à perda de sangue). Após a morte, o corpo podia ser reclamado pelos familiares e, caso isso não acontecesse, era comum de ficar ao relento e exposto aos animais.

A posição apresentada na cruz poderia proporcionar uma hipotensão ortostática e choque hipovolêmico, o que causaria dores de cabeça, cansaço e tontura, náuseas, confusão mental e desmaio. Além disso, o contato das costas com a cruz e a respiração causaria a reabertura das feridas dorsais. A disposição dos pregos tinha uma importante função biomecânica. Sabia-se que o os ossos e os ligamentos do punho suportavam o peso da vítima erguida, mas os da palma da não. Os pregos foram provavelmente colocados entre o rádio e a fileira proximal do carpo (ou entre a fileira proximal e distal). Embora não houvesse fratura desses ossos, o periósteo era possivelmente atingido e resultava em dor intensa. Os ligamentos intercarpais, o retináculo dos flexores, o músculo flexor longo do polegar e o nervo mediano também podem ter sidos lesionados, provocando inclusive dor irradiada em queimação por todo o trajeto do nervo. A princípio, nenhuma estrutura vascular importante deve ter sido lesada.

Já nos membros inferiores, os pés eram dispostos um de frente ao outro e o prego era inserido perpendicularmente entre o primeiro ou segundo espaço intermetatarsal, atingindo os nervos plantar medial, plantar lateral e fibular. Nenhuma estrutura vascular importante além do arco plantar profundo provavelmente foi atingida e o principal efeito envolvia a dor na região.

Destaca-se também o comprometimento da mecânica respiratória, pois a posição sustentada na cruz a altera por completo. O peso do corpo tende a puxar os braços e os ombros, o que deixa os músculos intercostais em um estado permanente de inspiração. Isto impedia o mecanismo passivo da expiração por parte de tais músculos, realizada então apenas pelo diafragma, o que proporcionava uma respiração superficial (com excreção ineficiente de CO2 e hipercapnia).

Para reverter esse processo era necessário eliminar o peso que atraía os músculos superiores para baixo justamente erguendo-se na cruz. Contudo, esse movimento alterava a posição do punho (agravando a dor provocada pela lesão do nervo mediano). O peso colocado todo nos pés causava muita dor e, em cada elevação, as Suas costas se atritavam na cruz, reabrindo feridas e aumentando a perda de sangue.

O processo de crucificação de Jesus teve início no trajeto para a gólgota às 9 hs da manhã e a hora de sua morte ocorreu por volta das 3 hs da tarde. Durante o martírio na cruz, Jesus falou por 7 vezes – um processo extremamente doloroso na condição citada – sendo que Sua última fala foi um grito, tido como o sinal de Seu falecimento.

Existem duas teorias possíveis para a causa de Sua morte. A primeira envolve uma ruptura da parede ventricular associada a um infarto agudo do miocárdio – causado por formações de trombos não infecciosos. Estes podem ter sido formados nas valvas aórticas ou mitrais a partir do estado sanguíneo alterado. Entretanto, outra teoria advém de morte multifatorial por hipovolemia, asfixia, arritmia e insuficiência cardíaca.

(Trabalho apresentado pelos monitores Mauro Bezerra Montello e Yves Matheus Barros de Souza Oliveira na Liga de Anatomia Humana – UFRN, baseado no artigo do JAMA “On the Physical Death of Jesus Christ”, de Edwards e colegas (1986))

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