
Foi o meu exímio Professor de Latim e poliglota – Rafael Vale – que me explicou a etimologia do termo demagogia. Esta palavra, onipresente na política brasileira, é originária da Grécia antiga e denota algo similar à “arte ou poder de conduzir o povo”. Assim, δημαγωγία (lê-se algo como agogéus) representaria a junção de duas palavras: δημος, que significa “povo”; e αγωγευς, originária dο verbo αγω, que significa “agir”. Após breve estudo, nota-se que nos primórdios o termo possuía uma conotação positiva mas, a partir de “A Política” de Aristóteles, demagogo passou a ser empregado como alguém que corrompe a democracia, principalmente por referir-se àquele orador que supostamente fala em nome da população menos afortunada e, frequentemente, manipula as massas com promessas vãs, apelativas ou fantasiosas.
Diferentemente de notórios demagogos como Cleón e Alcebíades, o demagogo moderno não conduz a guerras de resultados desastrosos e imprevisíveis. Esses indivíduos buscam meramente sinalizar virtuosismo para os demais e, principalmente “transformar” o mundo conforme sua visão superficial e míope.
Recentemente deparei-me com um exemplar típico dessa categoria ao participar de uma reunião de pós-graduação em minha instituição. Após uma singela fala sobre experiências que privilegiam o mérito e citar que a pós-graduação exige demandas e sacrifícios que não se oferecem a todos perfis, fui deselegantemente presenteado com um discurso virulento, porém inócuo, repleto de expressões como “quero um aluno que questione e que seja diferente de mim”, entre outras falas desprovidas de real significado… Além disso, o professor-lacrador em questão reiterou que a “instituição é pública e que deve se abrir para qualquer um” e que “bolsas oferecidas devem ter um cunho social”. Finalmente, o indivíduo citou que “é um absurdo ouvir isso numa plenária” e que, dessa maneira, pediria (infantilmente) “descredenciamento do programa”.
Sim meus amigos, problematizaram a pós-graduação… É certo que o recorte das falas acima possivelmente sinaliza um demagogo-jacobino, aquele incapaz de dialogar e expressar pragmaticamente sua posição numa pacífica reunião sem que se evidenciem seus arroubos autoritários. Assim sendo, venho aqui explicitar minha humilde posição a fim de enriquecer o debate sobre tão interessante assunto.
A graduação visa formar profissionais generalistas
Parece “chover no molhado”, mas sempre é prudente relembrar que o objetivo de uma graduação, seja bacharelado ou licenciatura, é formar profissionais capacitados para o mercado de trabalho. Assim, o curso de medicina busca formar médicos, a engenharia química visa formar engenheiros químicos, assim como a educação física objetiva formar professores de educação física. Pode ser que alguns profissionais mudem sua área de atuação por n motivos. Assim como é possível que desejem, a priori, obter conhecimento aprofundado em algum tema e, para tanto, a pós-graduação stricto sensu pode ser um caminho natural. Mas, como pode ser visto no esquema abaixo, elaborado para o curso de fisioterapia, a maioria dos egressos de graduação não opta, pelo menos inicialmente, pela superespecialização. Isto porque simplesmente querem exercer sua carreira de escolha! E se optam tardiamente pela pós-graduação, deve-se a satisfazer íntima realização pessoal.
É preciso ressaltar que a vocação (do latim vocare, ou chamar) é um chamado ou um dever de ordem pessoal e social e, como já foi evidenciado pelo filósofo Olavo de Carvalho em artigo de 2000, não pode ser “substituída pela mera busca do emprego, visto apenas como meio de subsistência e sem nenhuma importância própria no que diz respeito ao conteúdo”.
A pós-graduação exige demandas e sacrifícios
Mas num país com 14 milhões de desempregados (dados referente a maio de 2018), as bolsas de pós-graduação oferecidas proporcionam uma alternativa rápida para sanar as pendências financeiras do recém-formado. Apesar de não haver reajustes desde 2013, mestrandos recebem R$ 1.500,00, doutorandos R$ 2.200,00 e pós-doutorandos R$ 4.100,00, o que ainda sinaliza somas bem superiores ao salário-mínimo para o jovem profissional. No Rio Grande do Norte, a CAPES registrou 36 cursos de pós-graduação stricto sensu em 2015, perfazendo pouco mais de 2.000 bolsas de um total de 100.000 bolsas de estudo no Brasil. Claramente, o número exíguo de bolsas, se comparado ao número anual de inscritos nos programas de pós-graduação, proporciona que alunos de diversos perfis se organizem para uma severa competição natural pelo mérito acadêmico, tendo como meta a remuneração instantânea de uma bolsa de estudo. O objetivo torna-se puramente financeiro e a vocação é relegada a segundo plano.
Num mundo competitivo em que o imediatismo é regra, o jovem se esquece que é preciso ter paciência, resiliência e que, investir em sua carreira pode proporcionar remunerações superiores no médio prazo e garantir plena realização profissional.
Mas digamos que a vocação e o perfil do aluno sejam compatíveis com a pesquisa e carreira docente, muitos jovens podem até não ser contemplados com financiamento devido ao número restrito de bolsas e pelo mérito acadêmico. Ainda, não se pode excluir a hipótese de que conferir bolsas estritamente por cotas sociais pode, por sua vez, causar profundas distorções na pós-graduação e fulminar o mérito acadêmico como característica precípua para admissão.
Além disso, os ingressantes devem ter em conta que o tempo médio de duração de mestrado / doutorado pode reivindicar 5-6 anos de uma vida acadêmica abnegada. Muitas vezes, o perfil dos alunos não se adequa às caraterísticas do trabalho, às cobranças e exigências científicas e muitos podem, inclusive, apresentar sérios transtornos de saúde mental. É sabido que pós-graduandos podem exibir índices de estresse e ansiedade superiores a outras classes profissionais, como pode ser visualizado na figura abaixo, retirada de um estudo de 2013. Apesar disto, as causas para tal fenômeno não estão completamente esclarecidas.

Mas então, a pós-graduação é para todos?
Genericamente, diria que “a pós-graduação é para todos, mas nem todos são feitos para a pós-graduação”. Vejam bem, isto é válido para qualquer profissão ou atividade laboral!
Mas neste caso específico, o candidato deve considerar que o salário médio mensal de um doutor é de R$ 13.861, remuneração acima da média dos brasileiros sem tal titulação – R$ 2.449. Geralmente, os profissionais inserem-se em instituições e autarquias do Estado, mediante concursos públicos, enquanto o número de inserções na iniciativa privada é incipiente. Entretanto, o número de doutores desempregados também é alto (sugiro a leitura do excelente ensaio de Hugo Fernandes Ferreira: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2018/05/exercito-de-doutores-desempregados-brasil.html) e a titulação por si só não é garantia (e nem deveria ser!) de pleno emprego.
Finalmente, a expansão da pesquisa e inovação científica é uma estratégia fundamental para o desenvolvimento do país; e a instituição pública é e deve sim ser aberta para todos! No entanto, os interessados devem planejar com cautela e ter em mente as considerações da área, suas especificidades e os sacrifícios pessoais que são necessários para ingresso e sucesso nessa carreira e, antes de mais nada, buscar aquilo que Viktor Frankl considera como o sentido para a (sua) vida! Que fique essa reflexão; e sem demagogia…
Em tempo: apenas 0,5% da população tem acesso (ou optam) pela pós-graduação.
Dr. Bento J Abreu
Editor do site, professor, pesquisador e interessado em assuntos atuais.